Roda de chimarrão
Neiff Satte Alam*
Aos poucos o pessoal da vizinhança começava a se reunir na calçada. Cada um trazia sua cadeira e chimarrão a tira-colo. Tudo começava com um “bom tarde” e a oferta da cuia como forma codificada de pedir licença para entrar na roda de bate-papo de fim de tarde.
Opiniões de tudo que é jeito e das mais diferentes ideologias. O pessoal da UDN fazendo elogios ao Lacerda e o pessoal do PTB ao Jango, pois aquele verão de 1964 prometia surpresas (que terminaram se confirmando) políticas que seriam aterrorizantes para alguns e motivo de alegria para outros. O Senado era um dos pontos de destaque, assim como a Câmara de Deputados. No que dizia respeito a nossa Vila Olimpo (já transformada em Cidade de Pedro Osório), a discussão era em torno do clássico de futebol que aconteceria no domingo. Os adultos conversando e as crianças brincando na rua, uns jogavam bola outros batiam papo, assim como os adultos estavam fazendo… e o chimarrão seguia de mão em mão.
Hoje não se faz mais roda de chimarrão/bate-papo nas calçadas, pois os riscos de assaltos são muito grandes, a novela das sete, das oito, das nove, os jornais da TV, o MSN, o X, Facebook, WhatsApp, etc. e sabe-se mais o quê, tira-nos do convívio, do olho no olho, das risadas compartilhadas, do movimento das crianças em suas brincadeiras e nos remetem para um mundo virtual, que deveria ser um apoio ao relacionamento mais íntimo entre as pessoas, mas, lamentavelmente promove um afastamento, pois não é utilizado de forma adequada, isto é, a informação e o conhecimento, disponibilizados pelo ciberespaço, têm endurecido as relações interpessoais.
Com o tempo saberemos utilizar este meio de comunicação para aproximar as pessoas, pois ocorre que pessoas que moram na mesma quadra se comunicam pelo Facebook e/ou WhatsApp de forma efusiva, mas, ao saírem à rua, cumprimentam-se apenas com um aceno de cabeça …
O espaço cibernético esta aí, pronto para ser utilizado, para romper fronteiras, para diminuir as distâncias entre os povos, para importar e exportar diferentes culturas, para romper com as amarras determinadas pelos governos autoritários e difundir ideias democráticas, para desfazer engodos propostos por propagandas tendenciosas e, finalmente, estabelecer as necessárias conexões entre as pessoas e as nações sem poluir os pensamentos e culturas diferentes, mas, mantendo as diversidades culturais e pluralidade ideológica, permitir que se valorize as coisas boas de cada cultura e que se rejeite ideologias predatórias e descomprometidas com o bem estar de todos.
Antes deste avanço para um mundo globalizado pelo ciberespaço, temos que retomar às nossas rodas de chimarrão nas calçadas, livres das ameaças de insegurança e abertos à comunicação presencial. Faz-se necessária a conexão entre o chimarrão e a internet, pois o dom da palavra não poderá ser substituído e esta estará enriquecida pela utilização das informações virtuais e das rodas de chimarrão, que continuarão a existir…
*Biólogo, Professor de Biologia e Especialista em Informática na Educação. Participa do Treze Horas desde a sua criação, em 1978.