Banco Pelotense: uma Teoria da Conspiração?
Mônica Beatriz Corrêa Meyer Russomano*
E lá vamos nós outra vez! Porque o prezado Clayton Rocha inventou de querer a estória – sim, a ESTÓRIA – do Banco Pelotense/BP, antes de “A Espada de Bento Gonçalves” e da sua continuação em “A Mala da Neida”. É. Foi o que sucedeu. Só que argumentei com a urgência de priorizar o legado de João Simões Lopes Neto para os pósteros, enquanto não bato as botas. Isto feito, cumpro com o solicitado pelo Dr. Clayton, mas alerto que não manjo lhufas de Economia, além do básico; que não sou historiadora – embora como arquiteta e professora universitária eu tenha me dedicado a Técnicas Retrospectivas e Bens Culturais, que, para os que não sabem, tratam do passado e embasaram a minha Tese de Doutorado em Comunicação/Informação Estratégica e Crítica (com titularidade inválida no Brasil, exceto na antiga ULBRA, mas 100% válida na UE e nos USA) – nem tive acesso às fontes primárias por razões de Segurança Nacional. Por conseguinte, me vejo como uma curiosa, COM CURIOSIDADES PESCADAS DAQUI E DALI. Mas…. momentinho(!), com pleno direito de me manifestar e dar os meus pitacos de herdeira (esbulhada) de vultosos acionistas do BP. Se eu fosse uma Greta Thunberg da vida, a mídia me perseguiria pra me gravar, indagando, indignada, aos que me privaram de zilhões – sim, de ZILHÕES – de coisas e facilidades, “How dare you???”. Mas não é que ousaram?! Pô, se ousaram…
Por estranho que pareça, apesar dos antecedentes familiares acima, mergulhei no assunto nos 90s, quando inventariei o acervo eclético edificado do Centro Histórico de Pelotas para a Tese que defendi em Marselha, França, em novembro de 2001. Anteriormente, desconsiderados uns zum-zuns, o prédio monumental da Rua Marechal Floriano com Andrade Neves me atraía pela imponência e por um não sei quê, uma melancolia, uma nostalgia, no trajeto habitual de incontáveis idas à Clark, à Hercílio e à Khautz – ainda existem aqueles sorvetes m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-o-s?! Digam que existem!!! Ou retomem a oferta, por favor! Beijo Gelado, Beijo-de moça e os picolés!!!
Ah, com um detalhe: tomem T-U-D-O no condicional. Conjuguem T-U-D-O no futuro do pretérito. Não excluo a possibilidade de inverdades involuntárias por limitações da pesquisa. Se este for o caso, divirtam-se com a ficção e o passatempo. E vamuquivamu!
O Pelotense apareceu no jornal Diário Popular/DP de Pelotas em 14 e em 31 de dezembro de 1905. No sábado, 06 de janeiro de 1906, Dia de Reis, saiu a notícia de capa do “Novo Banco”, apregoando aos quatro cantos a previsão de um capital de 3 a 4 mil contos de réis, que, nos meus cálculos ineptos – e, em decorrência, hipotéticos – equivaleriam à “bagatela” atualizada de 369 a 492 milhões de reais. Nada mau pra deslanchar, hein?! A chamada esclarecia que os interessados deveriam se dirigir aos “escriptorios” dos senhores Pedro Osorio&C. e Plotino A. Duarte até o dia 10, “pois que a 12 será publicado o prospecto”. Foram cinco os incorporadores: o “Barão de Arroio Grande” – meu primo materno pelo lado Antunes Maciel, Francisco Antunes Gomes da Costa, sem “Maciel” algum no sobrenome, como se vê, por perfilhado pelo segundo marido da mãe viúva, um homem de altíssimo coturno de que contarei noutra oportunidade, mas não agora, pra não perder o foco – “Dr. Joaquim A. Assumpção, Eduardo C. Sequeira, Alberto Roberto Rosa e Plotino Amaro Duarte”.
Na segunda-feira, 05 de fevereiro de 1906, então, o Banco Pelotense surgiu auspiciosamente em cerimônia das doze às 13 horas e 30 minutos, com a presença ou representação das mais destacadas personalidades convidadas, na “Praça do Commercio” – que não estou certa de onde ficava, mas acredito que no Comercial, pelo letreiro dourado com esses dizeres, destapado na reforma de 50/60 de Francisco Corrêa de Azevedo, e continuada por meu Pai, Mozart Victor Russomano, presidentes consecutivos do Clube.
Da sessão, conduzida pelo Coronel Urbano Martins Garcia, tendo como 1º e 2º Secretários, de modo respectivo, Patrício Simões Gaspar e Domingos Pinho, lavrou-se a Ata escriturada no “Cartório do Primeiro Notario e Official do Registro Geral”, Luiz Carlos Massot, com “anotação à folha dezenove verso do Livro-Protocolo-Registro de Sociedades Anonymas”, e que ia com os Estatutos, a lista de associados com as cotas de cada um, a relação nominal da “Directoria, e a certidão da Mesa de Fundos Federaes desta cidade do deposito da quantia de trezentos contos de reis (300.000$000)”.
Na terça-feira, 06 de fevereiro de 1906, o DP trazia a “Acta d’Assembléa Geral Constitutiva” do BP, instituído na véspera com 10% do investimento dos 3.000.000$000 (3 mil contos de réis) pretendidos, subdivididos em 15.000 títulos de 200$000 (duzentos mil-réis).
O “Projecto de Estatutos”, veiculado em 19 de janeiro de 1906, foi republicado com modificações mínimas, nos seus 10 Capítulos e 71 Artigos, em 08 de fevereiro de 1906, três dias após a criação do Banco, precedido de avisos quase diários de 25 a 31 de janeiro e de 1º a 04 de fevereiro.
Em 08 de junho, o DP anunciou que as operações da carteira cambial abriram em 1º/6, demonstrando “o valor e conceito de que já goza” – o Pelotense – “a sua progressiva marcha ascendente em tão curto lapso de tempo, como ainda à direção inteligente que lhe está sendo imprimida.”
Clayton, me desculpa a pirataria da expressão que cunhaste, com uma pergunta que não quer calar: – Por que tantos “entendidos” insistem na versão de despreparo técnico dos cinco sócios fundadores e Diretores – cuja fotografia podia se visualizar, não faz muito, em terra.com.br/cidades/pel/historia/ banco_pessoal.html – se, transcorridos míseros 4 anos, 7 meses e 25 dias, em 1º de outubro de 1910, a grana em cash disponível ultrapassava os tais 3.000 contos de réis, chegava a 5.000 contos e, em outubro de 1913, a 10.000??? Um comando incompetente?! Me poupem!
Mas vou alargar o meu papo com uns pormenores tirados da Wikipédia, como a largada efetiva em 15 de fevereiro de 1906 na Casa de Câmbio do Dr. Plotino – em endereço incerto e duvidoso pra mim – com dois dos seus empregados. Baita sucesso! Acorreu gente do Estado inteiro! E, em 1906, a matriz abriu uma filial rio-grandina. No ano posterior, uma em Uruguaiana; em 1909, uma na Capital – em que, pra exemplificar, a Santa Casa e a Beneficência Portuguesa reuniam um maço de uns bons 5 mil papéis – em 1910, em Alegrete, e em 1911 em Bagé. Em 1912, num salto espetacular, em 8 municípios do Rio Grande do Sul/RGS ou RS, as de Caxias do Sul, São Gabriel, Itaqui, São Borja, Cruz Alta, Santa Vitória do Palmar, Bento Gonçalves e Dom Pedrito. Em 1913, a de Quaraí; em 1914, a de Estrela; em 1916, as de Cachoeira do Sul e Santa Cruz do Sul; em 1918, as de Passo Fundo, Santa Maria, São Vicente do Sul, Rosário do Sul e Novo Hamburgo. Expandiu-se depois em filiais fora do RGS, como a do Rio de Janeiro, em 1919; as de Belo Horizonte, Ponta Grossa, Juiz de Fora e Rio Novo, em 1920; e a de Curitiba, em 1922. Até 1924, a de Ponte Nova em Minas e as de Jaguari e Ijuí no RS; e, em 1929, as de Lajeado, Montenegro e Guaporé. Todas elas magníficas e luxuosas, conquanto as das zonas de colonização alemã e italiana, deliberadamente menos acachapantes. E, de acordo com a Wiki, o BP assumiu um Banco francês, motivo de um escritório em Paris, e pelo que li, não recordo aonde, um em Montevidéu.
Tudo ia de vento em popa e dentro dos conformes, portanto, com o êxito do Pelotense de locomotiva do trem do desenvolvimento urbanístico, em moto-contínuo com os produtores locais, que acompanhavam a pari passu os avanços na área – falem o que falarem os seus detratores, que alardeiam a superioridade tecnológica da fabricação (ou manufatura) do Rio da Prata – e que resultou, em 1912, no movimento da classe que culminou com a fundação da União de Criadores/UC, idealizada para difundir inovações, promover congressos e debates, e, como meta máxima, implantar o Frigorífico Rio-Grandense na vizinha Rio Grande.
Por infelicidade, empresas frigoríficas estrangeiras importantes, já nos países platinos – e que, no começo, nos favoreceram com o hiato do fornecimento da carne salgada castelhana a Cuba, e catapultou o nosso charque à ilha – acabaram vindo para cá, protegidas – e seduzidas – por uma legislação governamental com incentivos fiscais pra lá de atraentes. As norte-americanas Armour e Wilson instalaram-se em 1917 e 1918 em Santana do Livramento, e a Swift, em 1917, em Rio Grande, isto é, na data e localidade programadas pela UC para a sua unidade de frigorificação, que… teve de se fixar em Pelotas e, mesmo assim, operou esperançosamente a partir de setembro de 1917. Mas a crise com o final da I Guerra descambou na insuficiência de caixa e o empreendimento, sem trabalhar em larga escala, terminou vendido, em 1921 (ou em 1924?), para uma firma inglesa (Westwy Brothers?) que o rebatizou como “Anglo” – e as interrogações parênteses vêm de textos divergentes.
Antes disso, em 5 de dezembro de 1916, a exatos 10 anos e 10 meses da sua inauguração, o BP estreou a suntuosa Sede da Rua Marechal Floriano com Andrade Neves, projetada pelo ateliê uruguaio dos Arquitetos Perez, Monteiro&Cia., o que afirmo ciente de constar na internet que ela foi ocupada apenas em 1931 e pelo Banrisul, o que é uma moleza de contestar, folheando o “Álbum Commemorativo do Vigésimo Anniversario do Banco Pelotense – 1906/1926”, com fotos externas e internas do edifício, as últimas, equipadas e mobiliadas, ou seja, EM USO e a todo vapor (em 1926, repito).
Mas discordo da dedução da Wiki de que a raiz do busílis esteve nos gastos imobiliários excessivos, que ela embasa no “descobrimento”, pelo Banrisul, nos 70s(?!), de centenas de registros de imóveis rurais no Paraná, somando 100 mil hectares, pertencentes ao Banco. Perdão, perdão! Um instantinho!! Se o pesquisador tivesse se dado ao cuidado de contatar os acionistas ou seus descendentes, muito, muitíssimo antes dos 70s, o Banrisul, naqueles idos, estaria careca de saber que o Pelotense possuiu, sim, uma bela parcela do Oeste daquele Estado e… perto da metade do Aeroporto do Galeão. Um equívoco adicional. Ou equívocos adicionais? Pois a enciclopédia digital atribui a catástrofe à sinuca de bico de chefiar um tamanho colosso com comunicações precárias e ao seu relacionamento com o Governo estadual, que o influenciou a aceitar “títulos da dívida pública de difícil resgate” e a socorrer os pecuaristas no vermelho, de 1918 em diante, com o término da Grande Guerra. E, claro, à “decadência da indústria do charque”. MAS PERAÍ QUE NÃO CONCORDO! No mínimo, não concordo com uma ajuda ao setor por pressão política. Não! O BP ajudou o pessoal em apuros porque quis! E porque seu propósito primordial era atender estancieiros e charqueadores como os cavalheiros de fino trato, os gentlemen à moda antiga, que eram, e que não consentiram, enquanto puderam, no abandono dos endividados no meio de vacas (literalmente) magras. E o que se seguiu? O óbvio, o caos do aumento dos negativos. E é daí, com exclusividade, daí, que irrompeu o desastre.
Pelotas, que se deparara, de súbito, com a missão suplementar de abastecer as tropas e populações civis aliadas, investira pesado em melhorias e na ampliação da atividade. Com a paz e a recuperação europeia, a procura se retraiu e o preço do gado e dos seus derivados despencou. E, como desgraça pouca é bobagem, a retomada do fabrico saladeiro platino desalojou o gaúcho de várias praças… Num piscar de olhos, os tomadores de créditos fáceis desabaram do alto do pico eufórico de um boom repentino do mercado a uma realidade de extraordinária escassez, ao findar a Guerra Mundial, em 1918, deflagrando por aqui uma doutro gênero. A encrenca cresceu com a encampação do Porto rio-grandino em 1919 e da Viação Férrea em 1920, para alavancar o tripé Rio Grande-Pelotas-Bagé, iniciativa a pagar com o numerário do Tesouro… Utilizado no quê? Nos financiamentos aos ruralistas durante a I Guerra… O prazo-limite de devolução? Pelo que sei, a mixaria de 90 dias… E com nenhuma chance de comercializar patavina… Uma mãozinha do Poder público? De que jeito, se este privilegiou os transportes?! Restou uma vaga promessa no ar de advogar a causa junto à Presidência da República, mas… dava pra contar com ela??? De algo, porém, parece ter servido, uma vez que o Pelotense sobreviveu ao início dos 20s com a sua nomeação, pelo Governo Federal, como depositário da arrecadação do RS, benefício, entretanto, logo repassado ao Banco da Província na Interventoria de Flores da Cunha(…) – um outro primo materno, este, pelo lado dos Corrêa Meyer – no desenrolar da Revolução de 1923, a consequência, em resumo, da preferência dada ao café paulista no cenário econômico brasileiro em prejuízo da produção daqui.
Enfim, sem reservas e com a vocação de capa e espada da Diretoria, o panorama enfeou até bater o pavor e botar a Casa a correr atrás do déficit e exigir a quitação imediata das obrigações atrasadas. Como as de… Antonio Sarmanho. Que era quem? O sogro de Getúlio Vargas(…) e o Gerente da Agência de São Borja – para uns, da de Uruguaiana – que vivia, a se crer nos rumores, acima de suas posses, com empréstimos impagáveis, agora cobrados em 30 dias(?!). O que ele fez? Suicidou-se, em 1921, com um disparo certeiro. Mas, devagar(!), porque se comenta igualmente de um rombo dum subalterno, de que Sarmanho teria se responsabilizado. Possível, é, mas não descarto uma combinação de ambas complicações… Pelo menos, isto, segundo o Pai, afilhado de Crisma de João Neves da Fontoura, o Vice de GV no RS, e filho de Victor Russomano, Deputado Federal por duas legislaturas e Constituinte em 1934, os dois, com absoluta certeza, bem a par do que se dizia à boca não tão pequena nas altas esferas.
Pelo que acho, justo ali, GV decidiu se vingar. Puro achismo, admito. Se o Dr. Getúlio maquinou a criação do Banrisul por revanchismo em 1928? De 1921 a 1928??? Impossível, não é… Mas seria ele o autor intelectual do consumado – numa canetada – por Washington Luiz? Hummm, faz pensar. GV era o ex-Ministro da Fazenda (de 1926 a 17 de dezembro de 1927) de WL e o Governador (13º Presidente) do RS (de 25/01/1928 a 9/10/1930)… Não sobraram ocasiões???
E que tal a indicação por GV de Alcebíades de Oliveira, o único contratado da Direção do Pelotense – e o “peão”, no meu entendimento, do seu ocaso – para presidir o Banrisul? Que não se vexou, por alguns relatos, de cooptar e levar com ele os principais gerentes do BP… É OU NÃO É DE SE DESCONFIAR??? Tem ou não tem pinta de tramoia? Tem. E, se houve, funcionou na perfeição. O “peão” deu o xeque-mate no Rei (o estabelecimento) em seu pior momento.
Donde GV e Alcebíades se conheciam? Do rolo de São Borja! Ele foi o selecionado pelo Banco pra ir lá… E, ora, ora, não é que o Sr. Alcebíades de Oliveira caiu – não por acaso – nas boas graças do doutor Getúlio, ao permutar o valor que Sarmanho devia por um desembolso ínfimo?! Carta (demasiado) Branca – ou Branqueada – em proveito próprio e o start de uma represália? Questionável?
Apesar de tanta bronca, o “Album” dos 20 Anos do Pelotense comprova a sua prosperidade em 1926. Mas não só este “Album”. O do Bebê do Pai e os testemunhos dele e da Mãe, de forma idêntica. Uma noção do panorama em julho de 1922? O presente de nascimento do Pai, escolhido a dedo pelos meus avós paternos, ainda foi “uma caderneta no Banco Pelotense”. Do que depreendo que a aplicação era sólida. Afinal, o vovô Victor, como amigo do peito de João Neves da Fontoura desde cedo – guardo o telegrama de parabéns do futuro padrinho pela chegada do pimpolho em 22! – sabia de cor e salteado o que acontecia. E no apagar das luzes de 1923, quase em 1924, a Mãe desembarcava em Pelotas, vinda do RJ, com inacreditáveis vinte dias de idade, e a princesinha querida ganhou de cara, dos vovós, Ações do BP equivalentes a uns 70 imóveis… Modestos. Mas 70?! Baaah!
A essa altura do campeonato, o Pelotense adotara procedimentos para vencer os obstáculos que entrevia e pressentia, estendendo-se para o Rio de Janeiro e Minas Gerais (em Belo Horizonte e em Juiz de Fora), para o Paraná e para o Espírito Santo. Não havia, no entanto, como frear o desejo do governo de provocar a sua “falência para poder assumir o seu lugar”, o que não sou eu que digo, mas o Dr. Cláudio Candiota, um colega amicíssimo do Pai e, nada mais, nada menos, do que o presidente da Associação dos Bancos do RGS, em suma, um EXPERT(!), com quem papeei horas a fio. E me dou ao descaramento de afanar a dica e de fazer minhas também, essas suas palavras.
Como isso se deu? Com um lance que aproveitou uma fragilidade (passageira) do BP, principiada com o Crash da Bolsa de Nova Iorque, em 1929. Ou alguém em sã consciência julga que um revés destes não sacudiu o mundo?! Sacudiu! E como!! Causando uma arremetida desenfreada dos correntistas aos cofres bancários pra tirarem o que desse e… o Banco Pelotense não foi exceção.
O golpe de misericórdia? A Revolução de 1930. Em que o que era doce, acabou-se. Na minha visão, com GV na Presidência da República. GV! O suposto arqui-inimigo do Banco Pelotense depois da tragédia de Antonio Sarmanho… Como de se esperar – o que não é justificável, mas é compreensível e humano… – GV se recusou a auxiliar a cúpula humilhada que compareceu cabisbaixa ao RJ com o chapéu-coco, ooops, quiçá a cartola, na mão. Regressaram de bolsos vazios. E se viram forçados a capitular em 5 de janeiro de 1931. Com o fantástico Banco dos pampas naufragando como um Titanic mais tardio, com que afundaram os milionários que o ergueram do zero, arruinados de repente – além de moralmente linchados? – e um mundaréu de lares, que ficaram desvalidos e inclusive enlutados por suicídios pelo Brasil afora… Cá entre nós, uma desforra espalha-chumbo?
E um purgatório. Com clima condizente, quente e abafado ao extremo, seguido, no Dia de Reis, por uma chuvarada torrencial invulgar na cidade. Pra mim, a Natureza chorou pelo BP, em vias de completar ¼ de século dali a um mês exato. Nem isto aguardaram… E choramos todos com ela. A narrativa do sucedido, como sói ocorrer nesses casos, voou e tombou, fulminante como um raio. A Mãe, uma menininha de 7 anos, escutou, escondida e ansiosa, a avó viúva, Leonidia Moreira Antunes Maciel, filha do Barão de Butuhy, que a criou no “Palacete”, como a vó Didi designava deslumbrada – ou alfinetante(?) – o casarão das ruas Félix da Cunha com Dom Pedro II, de projeto e execução do meu bisa/avô, Engenheiro Arthur Antunes Maciel (I), atual Reitoria da Universidade Católica/UCPel, atendendo à ligação telefônica, na salinha embaixo da escada, e exclamando, assustada e perplexa, no auge da aflição, coisas como: – “Mas o que será do dote(?!) da Gigi?!”, o apelido infantil da Mãe que persistiu e o Pai detestava. Dote? Não existia há uma eternidade. Mas dá uma ideia do choque. Tremendo. Traumático. Dramático. Como o de uma bomba atômica prematura que dizimou tudo ao redor. E que obrigou a bisa/avó a se desfazer, uma por uma, de suas estâncias – entregues a capatazes… – e até de suas joias. Qual a saída? O tutu do “tio” (tio-avô) Tutu, casado com uma paulistana ziliardária e imortalizado, por mim, no xodó pela Marilu. Marilu? É. Uma boneca de uns 70 a 80 cm., enooorme e linda de morrer, com um cabelo fofo(!) castanho verossímil, em contraposição aos cachinhos normais pintados no plástico dos 50s, e uma maleta de couro com um enxoval de roupinhas(?!) – aiii, que paixão! – que ele trouxe de Buenos Aires para a… Carmen Dolores (minha irmã). CD, que não gostou dela(?!), mas não notei, enfiou a pobrezinha no “armário de discos”, em que, apatetada, topei com ela já estando na Faculdade… mas não me conformei e não me conformo. Céus, como rezei por uma Marilu! Uma Barbie argentina! O meu sonho de consumo mais remoto. E frustrado.
É lamentável que a maioria dos compatriotas e conterrâneos que desmoronaram com o Banco, na ausência, coitados, de um tio Tutu a quem recorrer, tiveram sabe-se lá que triste fim. Se a hipótese de uma trama é mania persecutória? Teoria Conspiranoica? Não custa reexaminar e aprofundar o havido pra tentar deslindar o mistério.
Nos 80s, eu colecionava o que encontrasse do BP pela frente e a Zero Hora/ZH se sobressaía como fonte impressa – e não exclusiva por um triz. O periódico reproduzia manifestações do Governador Amaral de Souza que queria reerguer o Pelotense e deletar o trecho “mais vergonhoso da História do Estado”. Em 1985, a Editora Mercado Aberto lançou “O Banco Pelotense&O Sistema Financeiro Regional”, uma adaptação, um update, da Dissertação de Mestrado de Eugenio Lagemann. E um Caderno de Economia da ZH, o artigo de B. Hamilton Almeida, “Há 54 anos, quebrava o Pelotense”, recordando o aniversário e lastimando o fechamento do “maior banco do Rio Grande do Sul e um dos maiores do País”, que “sucumbiu em meio a uma crise econômica nacional e internacional, sufocado pela inexistência de liquidez e por problemas gerenciais que permitiram, por exemplo, um crescimento acentuado do imobilizado” – já falei o que penso disto! – “e uma atuação concentrada. Outros fatores, como uma briga interna de âmbito estadual, também colaboraram para a derrocada. De contrapeso, a ponderação de estudiosos do assunto que acreditam que se o banco tivesse recebido amparo do Governo Federal, a sua sorte poderia ter sido diferente, assim mesmo como o próprio destino da economia gaúcha.
Há 54 anos desapareceu o terceiro maior banco do País e uma das poucas instituições privadas a possuir atuação nacional, deixando atrás de si um rastro de empobrecimento que atingiu um número muito grande de famílias. O sistema financeiro gaúcho sentiu o maior baque de sua história com a liquidação do Banco Pelotense, requerida em janeiro de 1931.
(…)
Fundado em 1906, com sede em Pelotas, o Banco Pelotense começou a apresentar rachaduras na década de 20, com o colapso da indústria do charque” e, em 1929, “enfrentou a primeira e séria corrida. Por aquela época, Alcibíades de Oliveira advertiu a diretoria do Pelotense para a inconveniência da sistemática operacional (contas devedoras) e solicitou permissão para transformar as contas no vermelho em notas promissórias. Inicialmente, (…) a diretoria reagiu, mas após a Revolução de 30 chegou à conclusão de que as contas devedoras deviam ser suprimidas.
(…)
Com a liquidação vieram os dissabores. O Banrisul passou a administrar o espólio do Pelotense, que era “incomensurável”, e o Tesouro do Estado se comprometeu a restituir os depósitos à vista em um prazo de 60 anos, com juros de (ilegível)% ao ano, mediante a emissão de apólices resgatáveis pelo Banrisul”. Com isso, muita gente perdeu boa parte do que possuía”.
No ensejo, B. Hamilton Almeida entrevistou o Dr. Cláudio Candiota, um excelente jornalista dentre muchas otras cositas más, que debutou como tal no DP, bafejado pelo trânsito livre na sociedade local, então superfechada, quanto ao impacto do pufff que engoliu o Banco e quanto à calamidade que se abateu, noutro pufff, num povo jogado na sarjeta, e nas finanças e na pecuária do Sul. Sem papas na língua, acrescentou que o “Banrisul anoiteceu na sobreloja da Secretaria da Fazenda e amanheceu implantado em 45 agências do Pelotense, dentro e fora do Estado, com prédios próprios e um patrimônio considerável” – 45?! No “Album” de 1926, além da Matriz, conto 26 “Filiaes” e “Agências” e “Correspondentes” numa quantidade que supera 50 somente no RGS, e, pelo “Album” de 1926, a insignificância(?!) de “74 Succursaes”…
Em outra ZH de 85, o Dr. Candiota dirigiu-se direto a Amaral de Souza, em “A Imolação do Banco Pelotense”, expondo absurdos como o do sumiço intencional de uma batelada de documentos, queimados às pressas, de que transcrevo umas linhas:
“Venho estudando há tempos este deplorável episódio da nossa história financeira. E posso dar alguma contribuição ao Sr. Governador, embora S. Exª não m’a tenha pedido.
Posso dizer-lhe que se trata do maior ato espoliativo até hoje registrado na história do RGS. E, o que é mais grave: Espoliação praticada pelo poder público contra uma empresa privada em dificuldades transitórias. Posso informar ao Sr. Amaral de Souza que o Banco Pelotense foi vítima de uma conspiração, de uma sequência de agressões e mesquinharias, em que a vingança pessoal, de conteúdo ostensivamente passional,” confundiu-se “com os interesses do Estado de fazer do Banco do Rio Grande, recém fundado e mal administrado, o melhor e mais poderoso instrumento de manobra política do Governo Provisório. (Os Pelotenses acusam Getúlio como principal responsável. Mas devo confessar que ainda não me convenci da autenticidade dessa versão).
Posso ainda afirmar ao Ilustre Governador que o Banco Pelotense, quando foi brutalmente (ilegível), não estava em situação de insolvência. Havia uma crise de caixa, problema que pode ser analisado em estudo técnico, separadamente, para evidenciar a atuação sorrateira das crioulas “forças ocultas” da época.
Vou apenas revelar alguns dados, conhecidos da velha guarda, mas ignorados pelas novas gerações.
Quando o Governo do Estado se apresentou como “salvador” dos interesses dos depositantes, o Banco já estava quebrado. A diretoria, constituída de homens da maior envergadura moral, já havia pedido a liquidação judicial do estabelecimento. Lutaram os Diretores até o último cartucho. Foram vencidos.
Vejam agora as condições impostas pelo Governo do Estado para salvar os prejudicados.
Liquidação do passivo e pagamento aos depositantes num prazo de 40 anos. Eu disse 40 anos.” – atenção(!), para B. Hamilton Almeida, em 60! – “Juros de 6% ao ano. Toda esta benevolência em troca da transferência, para o Tesouro do Estado ou para o Banco do Estado, do fabuloso patrimônio imobilizado que o Pelotense possuía em todo o Brasil.
Penso que só isto justifica a reabertura do debate objetivando, corajosamente, corrigir um erro que lesionou profundamente a economia do Rio Grande.
( … )
Talvez ainda se possa, com a reparação do mal, eliminar de nossa história este deplorável capítulo que assinala os primórdios do poder estatizante contra o qual, hoje, todo o Brasil protesta”.
Clayton, meu caro, creio que rascunhei a contento o ocorrido, na MINHA ÓTICA! Em que porventura – ou por desventura e para descrédito meus – estou enganada por completo. Se estiver, não nos testemunhos dos meus Pais, nem nas transcrições que fiz. E espero ter aportado algo de inédito na discussão – e aproveitável num livro, filme ou minissérie? – em que ressalto uma única discordância com o Dr. Candiota: ele nunca se persuadiu total de que GV fora o estopim da queda do BP, enquanto eu, (quase) sim. Se não, vejamos:
- se Getúlio Vargas, com a parentada, sacou o que tinha no Banco pelo gesto desesperado de Sarmanho, foi por culpar o Pelotense pelo acontecido, correto???
- E um GV todo-poderoso e fulo da vida deixaria isso barato?! Nunquinha! Mas a ponto de arquitetar a criação do (futuro) Banrisul em 1928, desde 1921, e desde bem antes dele ser o prestigiado Ministro da Fazenda de Washington Luís? Meio suspeito… Ou suspeitável? Ele ocupou essa função de 1926 a 17 de dezembro de 1927 e saiu dela para se candidatar a Presidente do RGS no pleito em que se elegeu e em que permaneceu de 25 de janeiro de 1928 a 9 de outubro de 1930. E de quando é o Banrisul? De 12 de setembro de 1928…
- Por que cargas d’água GV premiaria um funcionário do Banco Pelotense com o mais alto posto do Banrisul se não por estreita afinidade e confiança total? Macacos me mordam se virei paranoica, mas é no que aposto!
- Alcebíades de Oliveira, na obra que escreveu, se eximiu do fracasso bancário – contrariando a opinião pública generalizada? – que imputou à Direção de leigos na área. Mas será que uns sujeitos incapazes conseguiriam bolar, levantar e conduzir o terceiro Banco brasileiro em importância por ¼ de século???
- Certo, tentaram reabrir a instituição nos 80s-90s, esbarrando, todavia, sobretudo na exigência de um depósito escorchante. Como é que é??? Mais dinheiro??? Pago pelos espoliados??? Mas… mas se o que nos esbulharam segue aí, de pé e operante… E se jamais nos devolveram o combinado… E se jamais prestaram explicações do Ativo ou do Passivo dos devedores, quitado ou não…
E em 2005, com 2006 despontando, não é que pedinchei um patrocínio ao Banrisul para renovar o “Album” dos 20 nos 100 Anos do Banco?! Mas que ingenuidade! Sequer responderam…
Se é Teoria da Conspiração?! De tudo o que li e ouvi dos meus Pais e do Dr. Candiota, não. A dúvida cabível é se Sarmanho se suicidou, de fato, devido ao BP… Caso não, antecipo desculpas ao Dr. Gegê e à sua descendência. E idem à do Dr. Alcebíades. A conversa geral do que não presenciei(…) poderia ter me induzido ao erro, a gafes e a fake news? Obviamente. Mas, na real, a motivação não muda o estrago detonante, muda? Não, nadica de nada, na minha percepção. O Banco Pelotense ruiu e veio abaixo num estrépito estrondoso. Bombástico. De proporções titânicas. Ou titanicticas?!
*Arquiteta e professora