EXISTE UM NEO-HEDONISMO?
Dom Jacinto Bergmann*
O prazer pelo prazer ou a satisfação dos sentidos foi, desde sempre, a saída mais comum, seguida pelo vulgo, para responder a busca da felicidade ou do sentido último da vida. Contudo, tal solução tornou-se, nos tempos atuais, um verdadeiro “evangelho”, uma efetiva “mensagem de massa”. De fato, a sociedade pós-moderna faz do prazer pelo prazer o ideal de civilização.
Trata-se de um ideal que se adequa bem à filosofia geral de nossa época: o subjetivismo e consequente relativismo, que tende normalmente ao hedonismo. Com efeito, quando não existem valores absolutos e só relativos, a decisão acerca dos valores fica entregue ao sujeito, quer isolado, quando se trata da vida privada, quer associado, quando se trata da vida pública. Ora, quando é o sujeito que somente decide, tenderá a fazê-lo em função do que for mais fácil e cômodo para ele. E essa é precisamente a tentação do neo-hedonismo.
Em extrema síntese histórica, seguindo o pensador cristão, Clodovis Boff, poderíamos dizer que “a ‘cornucópia permissiva’ do neo-hedonismo começou pelos anos 20 nos Estados Unidos da América, lá chegou ao apogeu nos anos 60 e espalhou-se, em seguida, pelo mundo como way of life globalizante graças à expansão do capital e mercado livres. Nos dias de hoje, a economia do capital e do mercado, através das técnicas do marketing, divulga pelo mundo o ‘evangélico do capital e da mercadoria’, prometendo o paraíso das delícias”. É, no jargão dos jovens, a “era do barato” no duplo sentido: de que tudo é a baixo preço e de que tudo é “curtição”.
Assim, o neo-hedonismo representa hoje a grande “boa-nova” que a propaganda dirige às massas, ou, mais precisamente ao “homem-massa”, segundo o pensador J. Ortega Y Gasset. O nome mais preciso do hedonismo atual seria “sensual-materialismo”, porque apela, quer para o ventre: é o consumismo; quer para o baixo-ventre: é o permissivismo sexual.
Em tempos de “turbo”, acelerando freneticamente todos os processos, o prazer pelo prazer tem que ser “p’rá já”. Na análise do sociólogo, G. Schulze, vivemos uma “sociedade do prazer instantâneo e rápido”.
Ademais, a busca do prazer pelo prazer é hoje mais refinada que no passado. Os objetos do desejo são mais estéticos e sofisticados. Graças às técnicas do design, a mercadoria torna-se um fetiche mais sedutor. Igualmente, o corpo ganha mais erotismo, em virtude dos mais variados meios de estetização.
O neo-hedonismo acaba assim constituindo uma verdadeira ideologia, que vê a vida como fruição muito mais que como criação. Tal ideologia já penetrou e continua penetrando na nossa cultura hodierna. Mexe mesmo com o conceito de “felicidade”: felicidade torna-se sinônimo de “facilidade” – prazer pelo prazer. E felicidade não é isso! A felicidade sempre foi e sempre será a criação do sentido maior que alcance o prazer divino em nós.
O neo-hedonismo existe, sim! Já não é hora de enfrentá-lo de frente, tirando-lhe a ilusão de nos proporcionar o sentido verdadeiro da vida?
*Dom Jacinto Bergmann, arcebispo metropolitano da Igreja Católica de Pelotas.