ARTIGO – UCHO, UCHO, UCHO, O PAPA É GAÚCHO!

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O Papa João Paulo II tomando chimarrão em sua chegada ao RS, em 1980. Foto: ZH

UCHO, UCHO, UCHO, O PAPA É GAÚCHO! 

Previsão feita em 1980
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Clayton Rocha*
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Depoimento autorizado pelo paciente e pelo seu psiquiatra, por conta de um sonho diferenciado de inverno, ocorrido há alguns anos na Cidade de Pelotas.
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Ele não estava preparado para enfrentar aquele momento simplesmente assustador. Logo ele, que era um homem do bem, e que dividia o seu tempo entre a medicina e a advocacia. Ele que não gostava de multidões, de vitrine, de badalação nenhuma envolvendo o seu pacato nome. Vivia em Pelotas, curtia o nascer e o por do Sol e isso lhe bastava. Vivia para a sua família e para os seus livros jurídicos e da área médica.
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De repente, e não mais que de repente, ele se descobre sendo o novo papa!  Um pelotense no Trono de São Pedro. – “Santo Deus, embora o Senhor seja brasileiro, e todos já saibam que nem houve conclave, o que eu faço agora?  Esses helicópteros todos sobrevoando o meu edifício, as televisões do mundo inteiro lá embaixo, a rádio do Vaticano, mais Dom Antônio Záttera e o prefeito Edmar Fetter na portaria do prédio! Essa impressionante massa humana diante de meu prédio! Mas logo eu, meu Pai, que não sou religioso, e que mal sei rezar um Pai-Nosso e uma Ave-Maria”.
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Estou suando muito! Preciso reunir todas as minhas forças e enfrentar esta verdade. E absorto em seus dilemas, ele nem ouve a voz do Camerlengo, que acabara de chegar:- ” Acalme-se, por favor. Desta feita não houve Conclave, e você não está em Roma, mas sim em Pelotas. O próprio Espírito Santo escolheu o novo Pontífice, e você será o primeiro papa brasileiro.
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Reaja, acate, enfrente essa missão consagradora para a sua própria pessoa e para a sua fé.  Fique de mãos juntas, por favor, improvise a sua primeira fala aos fiéis. Reze, antes, com a multidão ali da sacada de seu edifício. Saiba que o mundo quer ouvi-lo logo!
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Conte de sua admiração por Paulo VI,  por João Paulo II, por Bento XVI, pelo seu vizinho Francisco, nascido logo ali do outro lado da fronteira. Você já pensou no nome a ser adotado?  Não ainda, pois faça isso de uma vez, insiste o camerlengo.
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– Um nome? Meu Deus, eu nem havia pensado nisso, tal é o meu estado de espírito. Eu sempre fui devoto de São Padre Pio de Pietrelcina. Ora, ora, eis então um problema resolvido nesta bendita ausência de dúvida: Serei Pio XIII. Mas estou com as minhas vestes empapadas de suor, temo ficar sem voz, vencido pela emoção e pelas altas responsabilidades do cargo! Eu sou um médico e um advogado que pouco sabe da Igreja Católica, moro longe de tudo, pois moro aqui no fim do mundo.
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Pacientemente, e segurando agora o seu braço trêmulo, o camerlengo o conduz até ao elevador do 8º andar. E enquanto esperam,  observam pela vidraça do prédio muito bem iluminado o intenso movimento dos carros lá na Avenida Beira São Gonçalo, a famosa Avenida Antônio Caringi, distante algumas quadras dali. A esta altura os dois já estão sob a proteção da Guarda Suiça, que havia chegado ao prédio minutos antes. Ele, o novo papa, sente-se protegido, pede coragem aos céus e- de mãos juntas – dirige-se à portaria do prédio, de braços com o camerlengo. Treinara alguns gestos religiosos ainda no elevador e sente-se agora em condições de dar continuidade à missão que horas antes lhe parecera assustadora.
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Pio XIII já sabe que as novas vestes o aguardam no hall do edifício residencial, e que terá que usá-las. Recorda-se de seu psiquiatra – este um homem simplesmente brilhante – a quem confessara no passado distante que uma missão divina estava reservada a ele. Meu Deus, chega a sussurrar, aquele conselho que dele que dizia tudo!  – Se você tem convicção quanto a isso, a uma grande missão que o aguarda, ao menos dedique-se agora à leitura profunda, revisite os grandes pensadores dos séculos XVIII, XIX e XX, ouça música, escreva, discurse diante de um espelho, e pesquise temas de grande interesse do povo.
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O novo Pontífice pensa em ligar ao amigo em questão, mas constrange-se. Não, não, ele achará que estou delirando por completo, e desiste da ideia. Fortalece-se ao lembrar de uma máxima segundo a qual  quando Deus coloca um fardo muito pesado sobre os nossos ombros, ele também nos dá forças para carregá-lo. Sente-se valorizado com os sons externos vindos lá da rua do seu prédio, embora reconheça aquela exagerada antecipação de desejos: – Santo! Santo! Santo! mas perdoa os fieis diante dos inocentes sinais de afeto. E assim, já usando o traje pontifício, segue, determinado, em sua caminhada solene na direção do povo.
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O espocar dos flashes, as câmeras das televisões de todos os continentes, mais a saudação forte dos fieis, no entanto, o atingem em cheio.
E ELE ACORDA!
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E vê agora diante dele apenas o porteiro do prédio. Descera do 8º andar nem sabe mais em quais condições, talvez por conta do seu  sonambulismo, percebendo então o silêncio sepulcral das ruas numa manhã nublada de inverno. Um arrepio corre pela sua coluna vertebral, mas a vergonha que sente é superior a tudo o mais. Procura, trêmulo e devastado, o botão do elevador com os seus olhos lavados em lágrimas, plenamente ciente de que a sua Pelotas – a terra do Governador do Estado – não será mais o endereço de Pio XIII, o papa gaúcho de Pelotas. (CR).
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*Jornalista e coordenador do Treze Horas há 45 anos.
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