ARTIGO – O TREZE HORAS E OS 40 ANOS

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Ernani Schmidt – O TREZE HORAS E OS 40 ANOS

O segundo semestre de 1992, no Brasil, foi marcado, entre outros acontecimentos relevantes, por intensos debates sobre a revisão constitucional que havia de ser realizada no ano seguinte. A atmosfera febril do Impeachment do primeiro Presidente eleito após vinte e cinco anos de ditadura exigia ainda mais lucidez em todos os movimentos sociais. Nós, estudantes da UFPel, através de nossos diretórios, sensíveis às responsabilidades históricas e desejosos de uma formação qualificada, organizávamos debates de naturezas teórica e política, sob a percepção de que era preciso desenvolver repertório cultural para aprofundar entendimentos da vida social e da interpretação constitucional, em especial. Sabíamos que era preciso dialogar além das classificações das ciências, que era preciso aprender sobre a realidade com a comunidade, por isso grande parte das discussões era realizada nas praças públicas. Para divulgar uma delas, eu fui pela primeira vez ao Treze!

Um tanto preocupado, por um lado, porque, tradicionalmente, através daqueles microfones, sob condução eloquente, falavam sujeitos muito competentes, ou muito importantes, ou muito poderosos/as, ou tudo isso reunido; por outro lado, porque a redemocratização ainda andava a passos vagarosos quando se tratava de respeitar a juventude, de reconhecer nela qualidades intelectuais, de aceitar dela a textura dos propósitos. Para os jovens, a palavra é uma conquista sempre muito difícil. Lembro que saí do RU da casa do estudante, fui caminhando pela XV de Novembro, pouco antes das treze horas, muito hesitante, tomado de receios de não saber falar no rádio, quando concluí que, no momento em que solicitado, apresentaria honrosamente a programação das aulas públicas, realizaria algum esclarecimento, conforme meus modestos alcances, e ficaria alegremente assistindo ao debate até o final, logo, tudo bem. Isso trouxe um pouco de calma.

Chegando no estúdio, foi tudo ao contrário e isso trouxe muito de ânimo! Quase imediatamente ao tomar lugar à mesa, fui questionado sobre os fundamentos de tanta preocupação com a revisão constitucional. Esqueci da inexperiência com o microfone, esqueci das fragilidades teóricas, esqueci das hierarquias políticas, esqueci das implicações etárias e passei alguns longos e enriquecedores minutos respondendo ao Freitas e ao Deogar sobre os alcances e limites do poder reformador da constituição, sobre as preocupações que todos devíamos ter com a salvaguarda das liberdades individuais e dos direitos sociais, sobre a importância de uma cidadania ativa, perseverante na defesa da democracia contra maiorias parlamentares eventuais, etc. Quanta alegria nesta memória! Naquele dia, fui apresentado a este patrimônio do uso público da razão e convidado pelo Clayton a retornar. Por vinte e seis anos, tenho testemunhado, no Salão Amarelo, o debate livre e a opinião independente.  Vida longa ao Pelotas Treze Horas! Penso que os temas continuam relevantes. Falaria tudo outra vez.

Ernani Schmidt

Advogado

Professor Direito/UCPel