EX-GOVERNADORES DO RS / 1 – SINVAL GUAZZELLI

1859
Sinval Guazzelli descobriu cedo que o estúdio do Treze Horas – naquela época no Edifício do Banlavoura – não abrigava somente um programa de rádio. Era também, e continua sendo, um centro nevrálgico dos acontecimentos políticos do RS. Ora em maior intensidade, ora em menos peso, porém quando vinha a Pelotas sabia de uma coisa, como dizia: ‘Clayton, quem faz política no RS e vem a Pelotas, necessariamente tem que passar por aqui’!

Por Clayton Rocha

O Treze Horas no seu espaço ‘Memória do Treze Horas’ começa hoje uma série com os ex-governadores do Rio Grande do Sul. Suas passagens ligadas a Pelotas, suas visitas ao Treze Horas e seu vínculos com a cidade, sejam eles através de ações políticos administrativas ou até mesmo sentimentais. Pelotas sempre foi roteiro político obrigatório no RS para quem entendesse que ‘vencer as eleições no estado era possível’. E assim foi com todos aqueles que serão lembrados nessa série: as suas passagens pela Princesa do Sul. E começamos a série com Sinval Guazzelli

Sinval Sebastião Duarte Guazzelli nasceu em Vacaria, norte do RS, no dia 24 de janeiro de 1930 e morreu em Brasília em 12 de abril de 2001. Advogado, político, foi governador do RS em duas ocasiões. Graduado em Direito pela PUC-RS, iniciou sua carreira em sua cidade natal, Vacaria, onde foi vice-prefeito e prefeito. Em 1958 elegeu-se deputado estadual e, em 1970, deputado federal. Guazzelli foi filiado inicialmente ao antigo PDC, depois à ARENA, e mais tarde fundou junto com Tancredo Neves o PP – Partido Popular, o qual foi posteriormente absorvido pelo PMDB, onde ele ficou até falecer. Como integrante da arena, Guazzelli foi designado como governador gaúcho, permanecendo no cargo de 1975 a 1979. Posteriormente elegeu-se vice-governador de Pedro Simon, assumindo o cargo de governador quando Simon renunciou para concorrer a senador. Governou por onze meses, passando o cargo para Alceu Collares em 1991. Em 1998, elegeu-se deputado federal pelo PMDB, sendo empossado no início de fevereiro de 1999. Permaneceu no cargo até sua morte em 2001, vitimado pela ELA – Esclerose Lateral Amiotrófica. Era primo do deputado federal Eloar Guazzelli e foi e foi casado com a deputada estadual Ecléa Guazzelli.

Em uma de suas tantas vindas a Pelotas, em uma delas foi recepcionado com um churrasco pelo Ministro Mozart Víctor Russomano. Política Gaúcha era sempre o prato principal.

INÍCIO DE UMA LONGA AMIZADE

Durante a interiorização do Governo do Estado na Cidade de Pelotas, nos anos 70, Administração Ary Alcântara, Sinval e eu nos tornamos amigos. Fui um dos coordenadores do processo de interiorização. Conversávamos todos os dias, eu estava sempre à disposição do Governador e de seus secretários de Estado. Muito jovem ainda, a política corria em minhas artérias, e Guazzelli percebeu isso. Tanto, que esgotou propostas tentadoras no sentido de me levar para P Alegre e de envolver-me por inteiro nela. Resisti corajosamente e ganhei um grande e incansável amigo. Ele foi Governador, depois vice-Governador eleito, novamente Governador,  deputado federal, primeiro presidente do Banco Meridional do Brasil e ministro da Agricultura de Itamar Augusto Cautiero Franco. Antes disso, grande amigo e conselheiro do Governador de Minas Gerais Tancredo de Almeida Neves. Chamou-me dezenas de vezes ao Piratini para longas e inesquecíveis conversas. – Clayton, Caxias manda um nome de consenso para um determinado cargo e eu nomeio no ato. Pelotas manda dez nomes, escolhidos por vários grupos políticos e empresariais, e eu sou forçado a engavetar a nomeação.

– Sempre que visitei Pelotas na condição de Governador, te consultei antes sobre o momento político local por uma questão de lealdade tua e de confiança total minha. – Eu lamentei a tua desistência, uma semana depois daquele jantar que te ofereci na minha casa, em Porto Alegre, quando tive o cuidado de reunir grandes amigos teus, a começar pelo Cândido Norberto. Fiquei sabendo posteriormente das pedras que foram colocadas em tua caminhada jornalística para inviabilizar o convite que te fiz, e que começaria por um almoço nosso, em São Paulo, com o Dr. Tancredo. Eras muito jovem e o teu nome incomodava muita gente. Fui procurado lá no Palácio por mais de uma vez pelo teu amigo Mozart Víctor Russomano, que forçava o teu envolvimento na política partidária, e era um homem de fino trato, de alta visão, além de teu conselheiro de sempre. Jantando com ele, em Pelotas, a teu convite, ouvi dele uma frase que jamais esqueci: – Pois nem eu Governador,  após inúmeras tentativas, consegui demovê-lo da ideia de permanecer para sempre em Pelotas.

UM DEPOIMENTO DE GUAZZELLI À MIM

Sinval Guazzelli, duas vezes Governador do RS, suspendeu todos os seus compromissos administrativos em P Alegre quando foi avisado por mim do falecimento do ex-Vice-Governador Edmar Fetter em Pelotas. Num jatinho, juntamente com José Bacchieri Duarte, viajou para Pelotas e marcou presença no Salão Nobre da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas. Sete dias depois, mandou rezar missa na Catedral Metropolitana, em P Alegre, com convite publicado na capa de Zero Hora. Numa de suas visitas à Cidade de Pelotas, já ex-Governador, fez-me um pedido lá no Banlavoura: – Eu gostaria de fazer uma visita ao Dr. Fetter. Você me consegue isso?

Clayton, você será a testemunha deste meu depoimento histórico diante do Dr. Fetter. Guarde bem as minhas palavras,  e as torne publicas quando bem desejar. Já na condição de Governador do Estado,  perguntei ao Dr. Edmar Fetter se ele aceitaria o cargo de prefeito de Porto Alegre? Respondeu-me que não, sob nenhuma hipótese, pois estava voltando para a sua terra. Fiz então um segundo convite a ele: O senhor aceita o cargo de secretário da Fazenda do RS? Recusou o convite. Então insisti: Por favor, escolha o cargo que o senhor quiser no Governo do Estado para que se faça o anúncio imediato. A resposta mais uma vez foi negativa. Ato contínuo, eu o convidei a assumir a presidência do Banrisul. Com um sinal de cabeça o doutor Fetter também recusou a ideia. Ele disse-me, em definitivo, que estava retornando para Pelotas onde iria cuidar do jornal e das suas atividades na agricultura e na pecuária. Numa última tentativa, eu disse a ele: – Pois bem, quero deixar em aberto um outro convite, e sem data estabelecida. O senhor, quando estiver em Pelotas,  escolha a secretaria de Estado de seu agrado e indique o nome de uma pessoa de sua confiança para assumir as funções. Ele respondeu-me simplesmente que iria pensar!

Este meu depoimento, diante dele, aqui em seu escritório de trabalho, e diante de ti,  que és a testemunha que tem o poder da palavra,  representa, para mim, como sendo um relato necessário à história política do Rio Grande. O Dr. Edmar Fetter, a quem visito neste instante na condição de ex-Governador do Estado, abriu mão de todos os convites feitos e seus gestos calaram fundo em minha memória. Por isso te fiz esse pedido,  o de poder visitá-lo aqui em Pelotas para trazer-lhe pessoalmente o meu sinal de admiração e de respeito pela sua admirável  grandeza pessoal e política.

O Dr. Edmar Fetter, (a centro da foto com Clayton Rocha ao seu lado) a quem visito neste instante na condição de ex-Governador do Estado, abriu mão de todos os convites feitos e seus gestos calaram fundo em minha memória. Por isso te fiz esse pedido,  o de poder visitá-lo aqui em Pelotas para trazer-lhe pessoalmente o meu sinal de admiração e de respeito pela sua admirável  grandeza pessoal e política.
Sinval Guazzelli foi governador do RS em duas ocasiões.

UM PRÉDIO PARA A UFPEL

A UFPel queria incorporar ao seu patrimônio o antigo prédio do Banco do Comércio, Andrade Neves com Lobo da Costa. Liguei a ele e perguntei: Guazzelli – O senhor me recebe aí no sítio? Assim começa a conversa.

No dia seguinte pedi decisivo apoio a Sinval Guazzelli. Resposta: Ajudarei. Vá agora mesmo ao presidente da Assembléia, o Schirmer,  e diga a ele que eu fiz essa recomendação. Foi o Schirmer, presidente do partido, o responsável pela recondução do Leônidas Ribas à presidência do Banco Meridional. Houve muita disputa pelo cargo e Schirmer foi decisivo, disse-me Sinval Sebastião Duarte Guazzelli. À tarde, na AL, o presidente da Casa ouviu o meu relato e, de imediato, ligou ao presidente do Banco Meridional do Brasil. O senhor poderia marcar uma data para receber o Reitor César Borges, da UFPEL? Agora mesmo, doutor Schirmer, ao inteiro dispor dele. É assim foi feito. O prédio, hoje sede do Mercosul, foi repassado à UFPel pela Administração Irajá Andara Rodrigues.

OS PEDIDOS DE PELOTAS SEMPRE ATENDIDOS

Um prédio inteiro em ponto nobre de Pelotas para a UFPel,  o do antigo Banco do Comércio. Obras, telefonia e equipamentos para a Estação Ecológica do Taim, aviões agrícolas para a UFPel em seu tempo de ministro da Agricultura, estreitamento de laços com o prefeito Irajá Andara Rodrigues que, anos depois, o indicaria, em Brasília, para a presidência do Banco Meridional do Brasil. Apoio incondicional ao professor Darci Pegoraro Casarin em sua eterna luta pelo Radar Meteorológico da UFPel, atitudes elevadas com Antônio César Gonçalves Borges, então reitor da UFPEL; portas escancaradas do Palácio Piratini, da presidência do Banco Meridional do Brasil e do ministério da Agricultura, Governo Itamar Franco.  Visitas frequentes à Cidade de Pelotas, churrasco na casa do Fernando Lessa Freitas no Laranjal, jantar na residência do dr Darcy Abuchaim, tardes de boas conversas com o João Saldanha lá no Ed. Banlavoura. Jantares com o Mozart Víctor Russomano em Pelotas, conversas regatas a Chateau Margaux e muita poesia de vida. Certa feita, candidato a deputado  federal, conversou tanto conosco que chegou a esquecer os fardos de propaganda política sobre a escrivaninha de meu escritório. ( elegeu-se fácil, tal era o seu prestígio em todo o Rio Grande do Sul). Clayton, jamais esqueça: – Você não deve sair de casa, pela manhã, sem antes ter lido todos os jornais. Não permita que terceiros dêem a você notícias que você desconheça. E lembre-se sempre, a soberba política e os sinais de deslumbramentos  com cargos não combinam com o dia a dia do sofrido povo brasileiro. O Dr. Ildo Meneguetti andando de bonde e fugindo do Palácio, às escondidas, para tomar um cafezinho com os amigos lá no Rian da rua da Praia é uma marca exemplar de louvável humildade que os gaúchos jamais esqueceram. O poder é efêmero, o poder é serviço, e deve ser exercido a serviço do povo. O poder é ônus, jamais bônus. Uma pena que nem todos compreendam estas verdades eternas.

O Treze Horas na posse de Silval Guazzelli, em janeiro de 1994, com a presença de Clayton Rocha e Paulo Gastal Neto. Guazzelli assumiu o ministério durante a gestão do presidente Itamar Franco (1992-1994), tomou posse no Ministério da Agricultura, em substituição a Alberto Portugal, e defendeu a elevação da alíquota de importação ou a suspensão da compra de alimentos pelo governo devido à previsão de que a safra de grãos daquele ano seria a maior de toda a história do país.
CHIARELLI E ABEL DOURADO
Eles tinham passe livre naquele palácio: o secretário do Trabalho e Ação Social Carlos Alberto Gomes Chiarelli, de Pelotas; e o secretário da Indústria e Comércio Abel Abreu Dourado, de Rio Grande.  Qualificados, estrategistas, lealdade absoluta ao Governador, profundo conhecimento dos problemas dos mais de 450 municípios gaúchos, esticavam conversa na ala residencial do Palácio e varavam madrugadas examinando centenas de assuntos. Raposa política, intimo amigo e conselheiro de Tancredo de Almeida Neves, o Governador gaúcho transitava com alto brilho entre as diferentes correntes ideológicas nos centros do poder nacional. Homem de diálogo, construtor de pontes, capaz de colocar algodões entre cristais, Sinval Guazzelli confessava: – Tenho Chiarelli e Abel Dourado ao meu lado, dois políticos que pensam política vinte e quatro horas por dias, indispensáveis, com alta visão dos cenários nacionais, devotados ao Governo do Estado, alto espírito público e plena consciência das entrelinhas da política. – Eu sou um homem agradecido pela qualidade dos quadros que me cercam,  e também tenho muita sorte, pois tenho sido poupado do convívio com mediocridades. Devo dizer: Graças a Deus, pois o meu governo não lida com amadores.

HOMENAGEM DO TREZE HORAS

Guazzelli tornou o Mérito Zona Sul (a concessão da Figueira de Bronze) evento oficial do RS. Visitou inúmeras vezes o estúdio do Banlavoura e fez de tudo para aproximar-me do Governador de Minas Geras Tancredo de Almeida Neves, lá nos anos oitenta.  A insistência foi tanta que, durante um jantar em seu apartamento de P Alegre, presentes Ecléa Guazzelli,José Paulo Bisol e Cândido Norberto, ele próprio fez questão de abrir e de servir os vinhos, dizendo que estava muito empenhado na renovação de quadros no Rio Grande do Sul.

João Saldanha, Clayton Rocha e Sinval Guazzelli no Estúdio / Escritório do Banlavoura, em Pelotas.

TAIM

Sinval Guazzelli, na condição de Governador do RS,  atendeu, uma a uma, todas as demandas da Estação Ecológica do Taim, solicitadas pelo 13 Horas: torre monocanal DDD,  reforma dos alojamentos, lanchas,  o velho sonho da telefonia, a qualificação de Quadros e novas parcerias com o Governo. Ele ficou conversando duas horas conosco, no Palácio, pois queria ouvir, ao vivo,  quais eram as reivindicações das Operações Taim,  apoiadas pela UCPel, UFPel, Furg, Polícia Rodoviária Federal, PRF, e Governo do RS.

CONCLUSÃO

Eu herdei de meu avô a esclerose lateral amiotrófica, doença terrível que vai fragilizando os músculos e a aguardo com a serenidade necessária para breve. Eu quero que você fique sabendo disso. Foi no Cruz de Malta da Av. Bento Gonçalves que tomei conhecimento da sua grave doença. Mozart Víctor Russomano, ele e eu bebíamos um vinho. Alguns meses depois o calvário do Sinval iria mostrar-lhe as suas pesadas garras. Já numa cadeira de rodas, falando com enorme dificuldade, foi homenageado na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Foi, sem nenhuma dúvida, a mais tocante das homenagens ao ex Governador e ao ex ministro. Lá na sala da presidência da Casa, junto a ele, estávamos, todos nós, com lágrimas nos olhos: Pedro Simon, César Schirmer, Paulo Brossard, Bernardo de Souza, Alceu Collares, Paulo Odone Ribeiro, Cândido Norberto, e muitos outros políticos. Ele, serenamente, dizia-nos que já estava aprendendo a linguagem do olhar, para piscadas o significado de uma palavra, num vocabulário reduzido que ao menos lhe permitisse dizer coisas básicas. Guazzelli viveu uma lenta agonia até que seu corpo, trazido de Brasília, foi velado num Palácio Piratini superlotado.  Alguns dias depois, após a cremação, suas cinzas transportadas por um monomotor foram jogadas sobre a sua muito amada Fazenda do Cipó, em Vacaria. Fiquei pensando em Alceu Collares, outro estimado ex-Governador do Rio Grande do Sul, quando disse em tocante discurso ao então ex Governador do Estado:- Em qualquer lugar que você for, em nosso Rio Grande, as pessoas dirão espontâneamente, prezadíssimo Governador Sinval Sebastião Duarte Guazzelli: – Ali vai Sinval Guazzelli, ali vai um homem de bem!

Na série ‘Ex-Governadores do Rio Grande do Sul’ – dentro do Projeto Memória do Treze Horas, relembramos hoje Sinval Guazzelli, um proeminente político que governou o RS em duas oportunidades. Um homem de envergadura que desbravou seu estado com ações e relações pessoais sinceras e duradouras. A homenagem do Treze a Sinval Sebastião Duarte Guazzelli.