ARTIGO – TODOS E TODAS

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Todos e todas

Paulo Gastal Neto*

Em outubro de 1996, em Lisboa, visitei a sede da C.P.LP. – Comunidade de Países de Língua Portuguesa  –  que, criada há apenas três meses, em 17 de julho daquele ano, já se transformara em um dos centros de estudo desse idioma, falado por mais de 270 milhões de pessoas na terra.

Os chefes de estado dos nove integrantes da comunidade constituíram uma entidade com um propósito claro: o aprofundamento da amizade mútua e da cooperação entre os seus membros e a difusão e defesa da Língua Portuguesa. Um idioma rico, românico, que se espalhou pelos quatro cantos do mundo em decorrência das descobertas portuguesas. O “Português”, como também se designa a Língua Portuguesa, possui regras que foram se aperfeiçoando quando foi deixando de ser aquele idioma originário de um “latim vulgar” falado na Península Ibérica. Desnecessário salientar que o estudo de um idioma se difere da linguística, que nada mais é do que a ciência que estuda a linguagem humana.

As variáveis da linguística, na Língua Portuguesa, estão relacionadas a muitos contextos: região, social, até mesmo padrões profissionais, e a utilização de cada uma dessas variáveis sempre é muito bem-vinda, pois estimula um relacionamento linguístico mais imediato, desde que adequadamente utilizadas. Já a língua com as suas regras e imposições, que são a garantia de sua sobrevivência, obedece ao padrão claro dos conceitos criados a partir do estabelecimento dos fundamentos do idioma. Com isso, a linguagem padrão acaba se tornando a de maior prestígio entre os interlocutores mais exigentes e que primam por uma comunicação de excelência.

Quando o presidente José Sarney (1985-1990) utilizou, pela primeira vez, a expressão “brasileiros e brasileiras”, recordo, algo soou mal aos ouvidos de muitos. Estava-se diante da famosa redundância. O “quebrar” da regra, na Língua Portuguesa, por parte de um chefe de estado. E aquilo seguiu durante seu mandato, mas, para a sorte nossa, não foi muito bem visto por autoridades e intelectuais que não propagaram a ideia. E assim como nasceu com Sarney, morreu com o fim de seu mandato. É bom recordar que José Sarney virou integrante da Academia Brasileira de Letras, ocupante da cadeira número 38 que tem como patrono o poeta Tobias Barreto, e abandonou a inoportuna expressão. Sarney, obviamente, deve envergonhar-se, hoje, daqueles tempos.

Passaram-se os anos e vieram os governos petistas, de maneira justa e democrática eleitos pela vontade popular. Eleitos para governar e não para alterar o idioma. As reformas gramaticais e alterações são promovidas por especialistas. E, então, eis que retornam naquele período as infames redundâncias, os pleonasmos: cidadãos e cidadãs, companheiros e companheiras e o famigerado todos e todas. No intuito de agradar feministas, atentou-se contra o idioma e suas regras. E viria o pior: a “regra quebrada da linguagem, da gramática” seria estimulada também por professores, intelectuais, ministros, enfim, uma gama de pessoas que no afã de agradar, desagradam.

Quando deste “latim vulgar”, que possuía os três gêneros – masculino, feminino e neutro – derivaram os primórdios do Português, extinguiu-se o gênero neutro e o incorporou-se ao masculino. É uma característica da língua, e jamais um sinal de machismo notado por feministas. Opções no feminino não aparecem entre os verbetes. Nem no plural. Seriam machistas os dicionários? Mas essa “engenharia” toda é apenas em se tratando de regras de linguagem, gramaticais, de idioma. Não se trata nesse regramento de privilegiar homens ou mulheres e sim a composição de um processo que iremos denominar Língua Portuguesa.

A regra gramatical não tem a ver com homem ou mulher e sim gênero masculino e feminino, mas na linguagem, e não se referindo ao ser humano. Senão vejamos: nós homens teríamos que usar a expressão “vou pegar o pão” dizendo às mulheres quando fôssemos à padaria. Já as mulheres nos diriam vou pegar “a pã”, numa situação semelhante. As mulheres garbosamente subiriam “a escada” e os homens contra-atacariam com “a subida do escado”. Então, dizer “bom dia a todos” é absolutamente suficiente para incluir homens e mulheres. Desse modo, “todos e todas” pode ser considerado uma redundância (ou pleonasmo) de fato.

Como se aprende na escola. As regrinhas do pleonasmo. Não vamos “adiar para depois” e sim apenas: adiar. O verbo adiar indica o ato de marcar um determinado compromisso ou evento para outra hora ou outro dia, ou seja, para um momento posterior. Não é, assim, necessário o uso do advérbio depois. Você não vai “repetir de novo” e sim vai apenas “repetir”. O verbo repetir já indica o ato de voltar a fazer alguma coisa. Logo, as expressões “repetir de novo” e “repetir outra vez” são redundantes. E assim é.

Utilizar a expressão, “a todos e a todas” é mais que uma inadequação gramatical, é um pleonasmo vicioso tal qual “subir pra cima” e “descer pra baixo”. Uma deselegância. O professor que em nome de uma “ideologia”, ou não, usa tal expressão, presta, paradoxalmente, um desserviço à educação, à sociedade e ao seu idioma. É extremamente desconfortável à audição. E o que é pior, lá estão doutores, representando instituições, em muitas vezes, se utilizando desse erro crasso, com o intuito de satisfazer um conceito que é absolutamente equivocado.

Todo o professor deve saber que “todos” é um pronome substantivo indefinido.  E que quando, em uma saudação, se diz “a todos”, tal cumprimento já se estendeu, conforme a própria acepção do pronome indefinido (todos), a todos os presentes ou ouvintes: homens, mulheres, jovens, crianças, meninos e meninas, etc. “todos e a todas” não passa de um pleonasmo vicioso, que devemos evitar, e que não se justifica em nome de um “politicamente correto”.

*Radialista e editor do site www.pelotas13horas.com.br