MORTE: DAR RAÍZES À FLOR!
Dom Jacinto Bergmann*
No dia de Finados fiquei em casa. Iniciei a Leitura do Livro “Ave Maria” do papa Francisco, resultado de uma “Conversa com o teólogo Marco Pozza”. No 15º Capítulo, o papa comenta o trecho da Oração Ave-Maria: “Agora e na hora da nossa morte”. Não tive dúvidas: preciso tornar esse capítulo em meu artigo semanal. É o que fiz! Seguem algumas perguntas do teólogo Marco e as respostas do papa. Espero que ajudem como ajudaram a mim. Marco: “Ouvir falar de morte sempre provoca em nós um pouco de angústia. Papa Francisco, o senhor disse certa vez que a morte nos recorda que não somos eternos: somos homens e mulheres a caminho no tempo, um tempo que inicia e um tempo que termina. Mas, quando a morte se aproxima, ainda que alguns a chamam de “irmã morte” (Francisco de Assis), a maioria de nós experimenta uma sensação de angústia”.
Papa Francisco: “O diabo dá a entender a Eva que, se provar daquele fruto, será como uma deusa, não verá a morte. O pecado é a ilusão de não morrer jamais. Durante uma vida de pecado, a pessoa diz que sabe que morrerá, mas não procura não pensar nisso. É uma ilusão! Sei que não é fácil, mas pensar na morte como final do caminho é uma realidade.
Marco: “Nos seminários, antigamente faziam-se o “exercício da boa morte”. Qual era o significado, Papa Francisco?” Papa Francisco: “Eu mesmo fiz esse exercício. O significado era acostumar-se com o fato de que devemos morrer. Existia também um exercício espiritual: pensar na própria morte. Fazer aquele exercício ao longo do dia ajudava a encarar a morte como algo normal. Naquele tempo nos contavam sobre São Domingos Sávio, ao qual, enquanto jogava com seus companheiros, perguntaram: ‘Se neste momento o Senhor dissesse que você está para morrer, o que você faria?’ ‘Ora, continuaria jogando’, respondeu. Para um santo, a morte é tão natural que não muda absolutamente nada da normalidade da vida”.
Marco: “Esse fato de São Domingos Sávio tem também aquela pitada de humor típico dos santos. Deus não havia sonhado a morte. Porém, como o senhor recordou várias vezes, a morte entrou no mundo por inveja do demônio. Consegue chamar a morte de ‘irmã’, como Francisco de Assis?”
Papa Francisco: “Francisco de Assis é genial, mas eu pessoalmente não chamaria a morte de ‘irmã’. Gosto de pensar na morte como ato de justiça final. Assim, a morte é, por um lado, o salário do pecado, mas, por outro lado, abre a porta para redenção. Conviver com a morte não faz parte da minha cultura, mas cada um de nós tem a sua”.
Marco: “Uma das formas de morte é, infelizmente, o suicídio. Sempre me pergunto, quando leio nos jornais histórias de jovens que não conseguiram administrar o peso da vergonha de uma imagem veiculada pelas redes sociais de uma foto espalhada por meio de um ‘chat ‘, e decidiram antecipar a sua partida deste mundo. São mortes difíceis de digerir”.
Papa Francisco: “São difíceis. O suicídio é um pouco como fechar a porta da própria salvação. Mas estou consciente de que nos suicídios não há liberdade plena. Assim ao menos acredito. Ajuda-me o que disse São João Maria Vianney àquela viúva cujo marido havia cometido suicídio jogando-se de uma ponte: ‘Senhora, entre a ponte e o rio está a
misericórdia de Deus’”.
Marco: “No presídio, me contaram, que há pessoas furiosas porque não conseguem se suicidar. Depois de encontrarem coragem para se matar, parece que a vida no momento final encontra forças para reagir com um último golpe e não aceita simplesmente morrer. Isso provoca um vazio em suas almas. O que o senhor sente, papa Francisco, diante da sensação de solidão e abandono das gerações mais jovens?”
Papa Francisco: “Também nós somos culpados desse abandono e dessa solidão, porque, com nossa cultura, com nossas propostas, deixamos esses jovens sem raízes. Oferecemos uma cultura sem concretude, uma cultura ‘líquida’ usando a expressão de um filósofo (Zygmunt Bauman): eu diria até mesmo ‘gasosa’. Sem raízes. Penso que nossa civilização seja culpada. Os jovens de hoje têm necessidade de radicar-se. Maria de Nazaré jamais perdeu as próprias raízes. É a filha de Israel, a filha de Jerusalém. Sempre foi fiel às raízes, mas foi para além, muito além. Sem dúvida, na vida não se pode ir além sem se apegar às raízes, dar raízes à flor, para formar a árvore e depois o fruto”.
*Dom Jacinto Bergmann, Arcebispo Metropolitano da Igreja Católica de Pelotas.