TUDO PASSA POR AQUI – DESDE 1978
Oscar Niemeyer não veio! Mas o Treze Horas uma tarde inteira conversando com o consagrado arquiteto, em seu escritório no Rio de Janeiro. Marcou época aquele Rio de Janeiro Especial!
Leonel Brizola e Darcy Ribeiro foram recebido solenemente em Pelotas. O Treze Horas tem um orgulho danado disso, pois esses “Debates Especiais” tornaram-se “Marcas Registradas” de seus 44 Anos de História.
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Oscar Niemeyer participou do Treze Horas em 2006, direto do Rio de Janeiro, de seu apartamento, por telefone, Lá estava o coordenador do programa, Clayton Rocha que teve a satisfação de conduzir o bate-papo informal que foi momento marcante do Treze. Após, de retorno a Pelotas, a ‘pena’ de Clayton redigiu o artigo abaixo. Mais um momento que marcou o programa criado em 1978 – TREZE HORAS ANO 44: TUDO PASSA POR AQUI!
Oscar Ribeiro de Almeida Niemeyer Soares Filho, nasceu no Rio de Janeiro em 1907 e faleceu – também no Rio em 2012. Arquiteto considerado uma das figuras-chave no desenvolvimento da arquitetura moderna. Niemeyer foi mais conhecido pelos projetos de edifícios cívicos para Brasília, uma cidade planejada que se tornou a capital do Brasil em 1960, bem como por sua colaboração no grupo de arquitetos indicados pelos Estados-membros da ONU que projetaram a sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, EUA.
Abaixo o texto de Clayton sobre o grande arquiteto brasileiro:
NIEMEYER: TRAÇO QUE SE ETERNIZA
Clayton Rocha
Tudo passa. Somente a arte poderosa é eterna. Toda vez que aparece uma obra prima – e a Catedral de Brasília é uma obra prima –faz-se uma distribuição de Deus, até porque a obra prima é uma espécie de milagre. Ou, se quiserem, é uma bendita vertigem de criatividade.
Oscar Niemeyer, na serenidade de seus 99 anos, parece aceitar a solução de Einstein e Spinoza: apenas inclinar a cabeça e bater no chapéu para as leis e os mistérios da natureza, mas tratar de viver. Vendo-o trabalhar, com aquela determinação, e sempre olhando para a frente, temos o título de uma tese pronta: o arquiteto e a vontade! O criador de Brasília é dotado de tamanha energia criativa que suas ações diárias põem por terra aquela sensação negativa conhecida pelo nome de paralisia da vontade, e que a tantos abate. Contrariando este tipo de comportamento, no qual o homem derrotado não se assusta nem se emociona, e corta todos os milhares de fios da vontade que nos ligam ao mundo e nos puxam para a frente e para trás, tornando-nos cheios de ansiedade, carência, raiva e medo, Oscar Niemeyer olha corajosamente para a frente, participando dos sonhos do mundo, e interagindo em sua paisagem através de seu traço universalizado.
Amável numa conversa matinal, ele abre generoso crédito para as questões da boa amizade. Abraçado sentimentalmente ao Rio Grande, tendo nas mãos um velho e centenário rebenque trançado, invoca três pilares de sustentação da principal de todas as obras, que é a da construção de relações afetivas e carregadas de conteúdo, no padrão de seus inesquecíveis Leonel Brizola, Darcy Ribeiro e João Saldanha. E inspirado em amizades de uma vida, reafirma uma convicção, segundo a qual foram os gaúchos os que verdadeiramente defenderam o Brasil em históricas guerras e em épicos combates. Talvez por isso ele tenha prometido à Universidade Federal de Pelotas, através de seu Reitor, professor Antonio César Gonçalves Borges, além do projeto de um teatro no Campus Porto às margens do Canal São Gonçalo, a escultura de um pássaro, marca viva do pampa, e por isso mesmo identificado como sendo seu sentinela. A partir de sua iniciativa, toda vez que alguém, no Rio Grande ou mesmo fora dele, observar a leveza imponente do Quero-Quero, esse pássaro enraizado em nossa história, Oscar Niemeyer haverá de ser lembrado numa de suas avaliações quanto ao papel reservado aos heróis riograndenses no campo de batalha.
Ao vê-lo desenhando em sua prancheta, que se faça um brinde silencioso à Vontade que o impele. Pois todo aquele que passar os olhos pela imensidão de sua obra perceberá que, se uma gota caindo constantemente chega a furar uma rocha, seus traços milimétricos e estudados, e resultantes de fartos momentos de inspiração, também servem para identificar uma cidade símbolo feita aos poucos, saída não só do sonho de Dom Bosco, mas da audácia e da persistência de seus idealizadores.
Sobrevoando Brasília, a cidade que tem o formato de um avião, com suas asas abertas pousadas na imensidão do cerrado, tem-se a certeza de que, na conhecida expressão de Napoleão Bonaparte, a imaginação, – e apenas a imaginação ! – governa o gênero humano. E de acordo com esta regra, e olhando do alto a cidade de Niemeyer, percebe-se que sua obra não passa de uma bendita vertigem de criatividade. E se alguém quiser mais, tendo a disposição de se deter numa obra prima, consciente de que somente a arte poderosa é eterna, bastará olhar para a Catedral de Brasília, através da qual faz-se uma distribuição de Deus, pois uma obra prima é uma espécie de milagre.
Tão grande e tão simples. Esse é o jeito Niemeyer de ser. E por ser assim, é que sua marca atravessa continentes e ocupa todos os espaços possíveis. O seu traço pode ser visto hoje na Pampulha, em Belo Horizonte; no Conjunto Ibirapuera, em São Paulo; na nova Capital da República, no Aeroporto de Brasília, nos CIEPS, na Passarela do Samba do Rio de Janeiro, no Memorial da América Latina em São Paulo, no Museu de Arte Moderna de Brasília, no RioCentro, no Teatro do Ibirapuera em São Paulo, no Centro Cultural e Esportivo João Saldanha em Maricá, Rio de Janeiro; na sede da UNE no Flamengo, na sede da OAB em Brasília, no Museu do Cinema em Niterói, no Museu Oscar Niemeyer em Curitiba, no Auditório Ibirapuera, em São Paulo; no Museu de Arte Moderna de Caracas,na Venezuela; na sede do Partido Comunista Francês, em Paris; na Editora Mondadori, em Milão; na Mesquita de Argel, na Argélia; na Universidade de Constantine, na Argélia; no Centro Cultural de Le Havre, na França; na sede da Humanité, na França; na Universidade de Haifa; na Serpentine Gallery de Londres; no Deserto de Neguev, Israel; na Ilha de Abu-Dhabi, nos Emirados Árabes; no Teatro de Cuba, em Havana; no Monumento à Paz, na sede da ONU em Nova Iorque; no Centro Cultural Príncipe de Astúrias, na Espanha; no Monumento a JK, em Brasília; e no Memorial Leonel Brizola no Rio de Janeiro. Por tudo isso, parece-me que este símbolo vivo da arquitetura modernista brasileira merece ser enquadrado naquelas bem traçadas linhas de Gonçalves Dias, quando ele diz que a vida é luta renhida; Viver é lutar. A vida é combate, que os fracos abate; que os fortes, os bravos, só pode exaltar.
Eu o vejo assim, diante daquela prancheta, posta lá no alto de uma cobertura. Lá daquela folha branca riscada, e por isso mesmo consagrada, de onde emana bem mais do que traço e criatividade, genialidade e vontade. Talvez porque saia dali aquilo que é um impulso a mais, que nos alcança, a mostrar-nos que o coração de um gênio nunca envelhece. Bastando um sorriso, um pedido, um gesto, um nada, um alvoroço, para que tudo nele se ilumine e aqueça. E se o mais raro é uma abnegação constante, este jeito Oscar Niemeyer de ser – em pleno vigor criativo – merece o prêmio de uma frase justiceira. Já é chegada a hora de dizermos a ele que jamais se sobe tão alto como quando, sabendo até onde se sobe, não se perde a perspectiva de uma existência voltada para a prática da simplicidade, da verdade, da arte e da justiça.
Clayton Rocha é jornalista, advogado, repórter internacional com mais de 80 transmissões feitas de 4 continentes nos últimos 41 anos. E foi Chefe de Comunicação Social da UFPEL por 30 anos.