MAIS PERFEITO QUE O PARAÍSO – LUIZ RICARDO LANZETTA – TEXTO 2

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Enforcaram um inocente

A história do balneário septuagenário começou bem longe no tempo e passa por várias aventuras. Lugar de tribos indígenas — Seu Marocas desenterrou muitos sítios silvícolas e animais africanos — a lagoa foi passagem do herói dos dois mundos, Giuseppe Garibaldi, de discos voadores, de muitos navios, de um ou outro naufrágio, e de projetos que viraram pó. Disputou ser a sede da Freguesia, em 1810. Perdeu para o atual centro.

Quase teve um aeroporto, sugerido pela Panair do Brasil. Em 1930, a Varig iniciou seus voos com hidroaviões. E por ali deságua o canal onde fica o porto de Pelotas, que ligou os pelotenses ao mundo através das exportações de charque no século 19. Trouxe riqueza material, sofisticação cultural e empáfia. Pelotas era globalizada. Hoje, o porto é local de embarque da madeira das plantações de eucalipto que substituíram nos campos o trigo, o arroz, a soja e o gado, até Guaíba, ainda na lagoa.

Centro da Revolução Farroupilha, Pelotas não conseguiu ser o porto garibaldino, onde as façanhas gaúchas assombrariam o mundo. Tudo por culpa da vizinha e rival Rio Grande, dona de um superporto e fortes militares inexpugnáveis.

O primeiro loteamento do Laranjal era demarcado a partir de 1,5 quilômetros de praia e constituído de dois mil terrenos. Uma ínfima fração da lagoa dos Patos – e aqui vamos tentar explicar para a maioria dos brasileiros que não conhecem as suas dimensões. Este acidente geográfico hermafrodita pode ter dois ou até três gêneros. É lagoa ou laguna, pois tem passagem para o mar, em Rio Grande. Chama-se lago perto de Porto Alegre, onde pode ser quase rio, o Guaíba.

Tem 265 quilômetros de extensão (um dia de viagem de navio e 40 minutos de vôo, contra o vento). São 60 quilômetros de largura, o que nunca assustou o Seu Marocas. Uma vez, ele mergulhou no Laranjal e deu com a cabeça num navio que navegava bem no meio da lagoa, perto da deserta ilha da Sarangonha, que aparece na linha do horizonte. As crianças ficavam boquiabertas ao escutarem, assombradas, esta entre muitas façanhas do pioneiro.
Além do glorioso Laranjal, em Pelotas, existem outras 13 cidades, às margens, banhadas por água doce, salgada ou salobra, dependendo do vai e vem das marés. A fauna faz rodízio. Ora lacustre, ora marítima.

Em Pelotas, a dos Patos liga-se à co-irmã Mirim, através do canal São Gonçalo, que também é chamado de rio. É lá que deságua o rio Pelotas, ou melhor arroio que, durante um século, cheirou à carcaça podre de gado, por conta dos rejeitos da produção de charque. As charqueadas instalaram-se ao longo do rio ou do arroio. Algumas ainda estão por ali, hoje gozando seu ócio, transformadas em pousadas e servindo de cenário de minisséries e filmes da época dos farrapos.

Durante o período das descobertas, a lagoa era chamada pelos navegadores, por causa de seu tamanho, de Mar do Sul. Entenderam? A história do Laranjal começa com o enforcamento, em Portugal, do herói de guerra, Thomaz Luiz Osório, em 1768, acusado de facilitar para o inimigo em campo de batalha. Sua mulher foi a Lisboa, mas não conseguiu salvá-lo. Ao chegar, ele já fora executado. Pouco depois seria provada a sua inocência.

Pouco antes, em 1758, Osório recebera imensa sesmaria, que preenchia o vasto espaço entre os municípios de Rio Grande e São Lourenço. Ou seja, o que logo depois virou Pelotas. A viúva não pode manter a propriedade, que passou a ser fracionada até chegar à família Assumpção. E as fazendas dos Assumpção que desembocam na lagoa geraram três balneários: Santo Antônio e Valverde (Laranjal) e Prazeres (Barro Duro).

Na vizinhança do Barro Duro, estão a Colônia de Pescadores Z-3 e a praia do Totó, onde não há construções. Lá se faz acampamentos no meio das árvores, como antigamente, na era da balsa. No Totó, foi encontrado um sítio, com utensílios para cozinhar, onde habitavam índios guarani. Certamente, o Seu Marocas teve participação na descoberta. Nem que tenha sido na divulgação estrepitosa do fato. De um lado, Rio Grande. Do outro, São Lourenço do Sul. No meio dos balneários, as fazendas dos Assumpção e um convento das Irmãs Carmelitas, ao lado do balneário dos Prazeres.

SEGUE

(“Aqui, tudo começa grande na mão de um rico e termina fatiado nas mãos de um monte de pelados”, grafite visto na estrada Pelotas-Laranjal).