ARTIGO – CORSAN: O RS NÃO ESTÁ ACOSTUMADO A DECISÕES

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CORSAN: O RS NÃO ESTÁ ACOSTUMADO A DECISÕES

Paulo Gastal Neto*

A principal atribuição de um governante é a sua necessária capacidade imediata de decidir, diante dos mais variados problemas que surgem durante uma gestão. Essa prerrogativa fundamental parece que não é bem vinda no Rio Grande do Sul. Talvez tenha sido gerada lá atrás no tempo, que incutiu na mentalidade dos gaúchos a dualidade eterna das discussões, reuniões, assembleias, enfim a capacidade infindável de protelar. Na política então se tornou, ao longo dos tempos, um marco cultural nosso: o deixar para o próximo governador. É um culto aqui no estado o ‘fica para depois’. O fato é que esse fardo cultural se estabeleceu com força com as sucessivas administrações do Partido dos Trabalhadores em Porto Alegre, em algumas grandes cidades do interior e no comando do próprio estado. Elas tornaram-se verdadeiros marcos do assembleísmo, da burocracia estatal e consequentemente da inoperância e falta de resultados efetivos à população gaúcha. Apesar da honestidade dos governantes desses períodos, houve a incapacidade deles em proporcionar avanços, caracterizando assim um tempo de atraso e privações que estão gerando prejuízos imensuráveis à população do RS. A conta vêm!

Agora, quando o atual governo propõe a abertura de capital de uma empresa pública como a CORSAN, não se trata de estigma contra ‘a’ ou ‘b’, quebra de promessa ou um desejo de momento e sim a necessidade inexorável de decidir, de tomar alguma providência. O que está em jogo é a corrida contra o tempo em favor da manutenção e o incremento de serviços essenciais à população, que hoje é prestado de maneira precária para os padrões atuais e com a perspectiva de se tornar pior. E mais: evitar a depauperação da estrutura da empresa, que foi construída ao longo do tempo e que poderá se corroer a partir da nova legislação referente ao saneamento básico.

Estamos diante de uma encruzilhada que impõe ação, que encaminhe a empresa para um novo modelo, uma era que exigirá que se estabeleça as imposições da legislação referente ao novo Marco Legal do Saneamento. O fato é que a CORSAN terá que ter capacidade financeira para investir R$ 10 bilhões ao longo dos próximos anos, já que o RS atende apenas 32% da sua população com acesso a esgoto tratado e saneamento básico, qualquer leigo sabe, estamos falando de saúde pública ‘na veia’!

Sejamos efetivamente objetivos: O estado não terá condições nem capacidade de um aporte para que ela faça um investimento como este. E não cabe a falácia apregoada de recuperação do organismo com novos investimentos, pois existem passivos trabalhistas na ordem de cerca de R$ 200 milhões ao ano, mais R$ 700 milhões em pendências junto a uma fundação que atende as questões previdenciárias do órgão e um lucro fictício anunciado que atende a maquiagem financeira. Enfim, a empresa está sangrando! As teses defendidas por aqueles que contestam a nova perspectiva deveriam ter sido implementadas quando estiveram na gestão estatal e não foi por pouco tempo.

A abertura com a alienação de mais de 50% do capital, com previsão de capitalização para investimentos da ordem de R$ 1 bilhão, gerará então os necessários investimentos em saneamento no RS. É melhoria de qualidade de vida, mas sobretudo de aumento da expectativa dela! É claro que ao atender este item fundamental, da essência do ser humano, o governador estará tirando a pauta de alguns partidos, surrupiando o discurso de muitos políticos de carreira e neutralizando sindicatos que sobrevivem em cima de pautas do século passado.

Mas o necessário neste momento é a decisão: ou se faz ou se deixa como está! Qual é a alternativa em curto prazo? Ou se atende ao interesse público com a capitalização da empresa com a conjugação do meio privado na compra de ações, ou chegaremos a 2030 com valetas a céu aberto e crianças com constantes crises gastrointestinais, mortalidade infantil fora de contexto, justamente por manterem constantemente contato com o fétido liquido que vertem nesses córregos e assolam as periferias das cidades gaúchas. Essa é a questão!

Mas nessa cultura gaúcha, arraigada àquele pensamento dos tempos em que a burocracia imperava, parecendo um modelo arcaico do sovietismo dos anos 40, é difícil entender que um jovem de 36 anos decida. Que apareça o problema, mas que haja a decisão. Que não se protele. Que se faça de imediato e que se delibere em favor de uma solução para um fato crônico. Mas se dependesse de muitos seria um roteiro infindável de assembleias, reuniões, audiências públicas, adendos e pormenores enquanto a população segue pulando valetas e buscando água em balde na esquina. Mas pelo menos, neste cenário, está garantido a manutenção do discurso para a próxima eleição e é isso o que importa para muitos.

*Radialista e editor do site www.pelotas13horas.com.br