CARTA À MINISTRA DO MEIO AMBIENTE, MARINA SILVA

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Ilustríssima Senhora Marina Silva

Exma. Ministra do Meio Ambiente

Ao cumprimenta-la com respeito e admiração, informo que a iniciativa desse contato aberto tem o propósito de que as considerações aqui desenvolvidas, possam sensibilizar e conscientizar em ações um coletivo mais abrangente de pessoas.

Objetivamente, enfoca-se a estiagem que há anos se intensifica e alastra no cone sul, impingindo uma série de devastadoras adversidades no todo territorial além de, importante, estar sendo levianamente desconsiderada.

No Chile, o período de seca que assola o povo andino alcança o seu 14º ano consecutivo, sendo a pior desde 1950. Os racionamentos hídricos são cada vez mais frequentes e intensos para as populações urbanas, como em Santiago, com restrições na pressão da água e cortes rotativos de até 24 horas para cerca de 1,7 milhão de pessoas. Até a vegetação urbana está sendo alterada em alguns locais, por plantas de regiões desérticas, por essas consumirem menor quantidade de água.

Há muito que animais morrem de fome e sede, pequenos agricultores não têm mais condições de trabalho por falta de água para irrigação, enquanto que a escassez de chuvas e o calor extremo são exacerbados por conta de danos ambientais advindos de projetos agronegociais (entre outros, também os minerários). Em passado recente, 172.631 mil hectares de bosques nativos e áreas agrícolas nas regiões de La Araucanía e Biobio foram destruídos e transformados em lavouras de árvores, as quais são, comercial e ilusoriamente, nominadas de “reflorestamentos”. Não por acaso, essas são as regiões que ardem em “incêndios florestais”, outra consequência de um inferno provocado por tais lavouras de árvores!

Até o presente momento, informes jornalísticos registram mais de 294.058 hectares queimados, 1500 casas destruídas, animais silvestres vitimados, 2180 pessoas feridas e 24 mortes provocadas pelo sinistro.

Por ser chilena e atuar na área do plantio de eucaliptos para a produção de pasta de celulose, repassa-se o informe da “pasteira” CMPC, a qual, em 2020, publicou que o seu patrimônio florestal se elevou para 1.287.115 hectares, e que “o aumento em hectares se deve à incorporação das plantações de eucalipto no estado do Rio Grande do Sul, no Brasil, em dezembro de 2020. A madeira adquirida contribui para o abastecimento das operações da fábrica Guaíba”. Nesse mister, uma rápida consulta na internet revela que o solo gaúcho tem encrustado 592 mil hectares de eucalipto, 289 mil com pinus e 50 mil com acácia negra (registro de 1 de dezembro de 2022), os quais “parasitam” 931 mil hectares do nosso bioma.

Fica ressaltado que tais monocultivos, com destaque para os eucaliptais, consomem extremado volume de água na sua evapotranspiração, secando vertentes e alagadiços; causam expressivo desemprego no campesinato (sete anos esperando um corte que é feito com maquinário sem gerar ocupação humana); afastam o homem no campo e do campo; lançam sombras sobre lavouras de alimentos de pequenos agricultores; destroem a cultura pampeana; causam poluição, desgaste e congestionamentos em estradas para o transporte de toras.

Os prados pampeanos, qualificados para a produção de alimentos e pecuária, são destruídos por eucaliptais e outros monocultivos. A consequência é o registro de graves danos ambientais, desemprego e miséria, enquanto as fábricas também poluem durante o preparo da pasta de celulose, a qual é exportada. Tanta destruição para, ao fim e ao cabo, o Brasil ainda comprar papel do exterior (só em 2019 importamos US$ 850 milhões em papel)!

Exportamos pasta de celulose a preço vil (produto primário) para, mais tarde, comprarmos o papel (produto beneficiado) com preços bem superiores.

É o exemplo clássico e cristalino do chamado “agrotecnocolonialismo”!

Para o Rio Grande do Sul, prevê-se perdas significativas em diversas lavouras, previsões de encarecimento de alimentos, importantes impactos econômicos, com agravamento de falta de água para as populações urbanas e registros de umidade relativa do ar inferior ao deserto chileno do Atacama. As temperaturas abrasadoras só são suplantadas pelas sensações térmicas tórridas que o clima impõe, além de vários focos de incêndios estarem sendo detectados com cada vez com mais frequência, principalmente em beiras de estradas, bosques e lavouras.

Aqui e alhures, o fenômeno climático La Niña é responsabilizado pela falta de chuvas mas, não resta dúvida, que a crise ambiental é exacerbada pela inegável responsabilidade do agronegócio, fato constatado ao conjugarmos as políticas públicas que lhe beneficiam.

Há muito que políticos servis e eleitoralmente “influenciados” por seus “empresários”, são corresponsáveis pelas destruições de nichos ecológicos na região do Pampa (devastam alagadiços, banhados, bosques naturais, vertentes de água, matas ciliares); exterminam a vida com agrotóxicos (aniquilação de abelhas, pássaros, fauna edáfica, gramíneas típicas da região); geram inegável desequilíbrio ambiental; adoecem comunidades provocando tormentosas mortes de pessoas; destroem e geram ressecamento e aquecimento do solo e atmosfera; facilitam e incrementam o aumento das temperaturas; fragilizam as possibilidades de proteção do próprio planeta; realizam plantios de amplitudes oceânicas com inegáveis destruições de recursos naturais, tudo com consequências alarmantes e macabras para as pessoas, e tudo só para atender e privilegiar a ganância do acúmulo financeiro de uns poucos.

Para que Vossa Exma. tenha uma ideia dos impactos da estiagem, ressalta-se a famosa Lagoa do Peixe, cujo Parque é administrado pela Fundação Xico Mendes. Com 35 km de extensão, é um hábitat extremamente sensível, com características únicas no planeta, que abriga mais de 270 espécies de aves, dezenas delas migratórias e vindas de locais como o Canadá, da Groenlândia e do Ártico em busca de repouso e alimento.

Entre essas ocorre o flamingo, que é o símbolo do Parque e migra do Chile, também em busca de descanso e nutrição. Ou seja, essa ave já vem de um local problemático para, muito certamente, não encontrar nada do que precise na Lagoa do Peixe e, quem sabe, podemos estar tratando de impactos que porão em risco de extinção mais espécies de animais!

 Para além, a laguna representa o sustento de dezenas de famílias de pescadores e importante ponto turístico. Em 2022, ela mostrava 50% da sua área hídrica reduzida e, hoje, a abrangência da seca alcança 90% de sua superfície total.

O solo gaúcho é de altíssima qualidade, onde são encontradas mais de 450 espécies de gramíneas (todas forrageiras) e, em algumas regiões, ocorrem mais de 50 diferentes delas agrupadas num só metro quadrado. As asteráceas (plantas com flor), compõem importante fonte de proteína para o gado mas são consideradas “invasoras”, “ervas daninhas” e “pragas”, e dizimadas pelo uso de potentes agrotóxicos.

Perceba a desinteligência de um “negócio” que, num extremo do continente desmata a Amazônia e Pantanal (prejudicando os “rios voadores” que umidificam e vivificam o sul da América do Sul) visando o plantio de grãos e pasto para a criação de gado. De outro lado, aqui no extremo sul, também aniquilam nossas qualificadas pastagens para o gado, visando principalmente o plantio de soja que é, de fato, uma reles “moeda” negocial de exportação (as tais commodities).

Informe de dezembro de 2022 indica que o Rio Grande do Sul possui 6.568.607 de hectares de soja mas, apesar desse número, durante o atual período de seca, vários agricultores ainda estão “tratorando” vertentes de água, pequenos riachos e destruindo bosques naturais objetivando o plantio de mais soja. As denúncias de tais atos têm alcançado o Ministério Público Estadual, que as repassam para as prefeituras fiscalizarem e, mais uma vez, a importância e urgência dos fatos morrem na burocracia e falta de pessoal para a vigilância. Dessa forma, e não por acaso, o MapBiomas registra que o Pampa é o bioma que mais perde vegetação natural no país.

Agrometeorologistas calculam que o período de seca é o mais grave dos últimos 70 anos, que ainda não mostrou o seu fim, apresenta impactos que ultrapassam os campesinos e, já salientado, geram preocupação para o fornecimento de água para populações urbanas. O agravamento da situação levou 235 municípios gaúchos (quase a metade do total existente no RS) a decretaram situação de emergência.

Também a nossa vizinha Argentina sofre com a seca, estando com um atraso em torno de 45% do plantio na sua região central e, em novembro de 2022, somente 5% desse plantio foi efetivado.

Ao fim e ao cabo, fica ressaltado que o momento vivido é gravíssimo, como bem se observa não é exclusivo do Chile, mas assola e se alastra para todo o cone sul. Há muito que essa situação deveria estar sendo combatida de forma enérgica, tenaz e com prevenções dos impactos entre todos os países e todas as regiões atingidas.

Então, frente a tal desarticulação, humildemente sugere-se a urgente criação de um grupo (ágil, eficiente, sem burocracias, articulado) inicialmente focando o Rio Grande do Sul, mas que também busque os países e regiões mais afetadas, encaminhando ações necessárias e urgentes.

No campo, os agricultores familiares devem ter prioridade com possíveis aberturas de poços para suas hortas e dessedentação animal, mas sem atender com perfurações de suprimento hídrico os monocultivos, as plantações com emprego de agrotóxicos, além dos processos minerários. Para as cidades, seriam necessárias campanhas de conscientização e de uso racional da água, com o início de curtos racionamentos visando gerar alerta e aprendizado sobre a forma correta de agir (principalmente mirando a educação das crianças). O propósito é o de atuar preventivamente (se ainda é possível), antes que o grave problema alcance situação de intensa catástrofe pública.

Ademais, outros ministérios também deveriam agir e somar esforços no encaminhamento de atividades, as quais devem ser imediatas, objetivas, desburocratizadas e protetivas da natureza e das pessoas.

Fica a ressalva de que as colocações aqui feitas são escudadas em fatos reais, no bom senso, na prevenção, na preocupação com o coletivo e no caráter emergencial!

Sendo o que se tinha, enviamos-lhe abraços pampeanos fraternos.

Pelotas, 14 de fevereiro de 2023

Dr. Althen Teixeira Filho

Professor Titular / UFPel / Instituto de Biologia

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