ARTIGO – 134 ANOS DA “PROCLAMAÇÃO” SEM POVO

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134 ANOS DA “PROCLAMAÇÃO” SEM POVO

Paulo Gastal Neto*

É justo que neste 15 de novembro – data que marca a Proclamação da República no Brasil – àqueles que defendem o sistema monárquico, tenham a oportunidade de tentar derrubar alguns mitos que seguem sendo reproduzidos ao longo do tempo, principalmente por quem não se dedica a história, de maneira mais amiúde.

Ser defensor de um sistema parlamentarista monárquico, com a liderança de um soberano, não quer dizer que as pessoas sejam de direita ou esquerda. Os sistemas de governo – presidencialismo ou parlamentarismo republicano e o parlamentarismo monárquico recebem partidos e correntes de pensamento de todas as matizes políticas. Sempre é bom recorrer ao sistema inglês, que mantém um parlamentarismo monárquico e que alterna na sua liderança de governo, primeiros ministros conservadores e trabalhistas ou de direita ou de esquerda. E que, também no Reino Unido, dezenas de outros partidos menores, participam da vida política do país e das cidades com o seu viés ideológico bastante variado.

Luís Gastão de Orléans e Bragança atual chefe da Casa Imperial brasileira. Foto: Internet

E se foi mencionado o exemplo da monarquia inglesa, é bom lembrar-nos de um outro mito: O Brasil não teria ‘clima’ para ter uma corte, um rei com capa, coroa e cedro! Ora, cada monarquia tem o seu rito e é absolutamente prudente e importante afirmar-se que a Casa Real Brasileira, a de Bragança, é bem diferente em seus costumes e paramentos, da Casa Inglesa, os Windsor. No Brasil, se o sistema monárquico voltasse a vigorar, Dom Luiz de Orléans e Bragança seria o Rei. Ele é o atual chefe da Casa Imperial e conta com o auxílio de seu irmão D. Bertrand, segundo na linha sucessória, nessa tarefa. Como já não existia o título de Imperador do Brasil, foi instituído o título de chefe da Casa Imperial brasileira, criando o título de Sua Alteza Imperial e Real (S. A. I. R.). O segundo na linha sucessória detém o título de príncipe imperial do Brasil; caso este tenha filho, será o terceiro na linha, intitulado príncipe do Grão-Pará. Todos os restantes são denominados príncipes do Brasil, equivalente ao título de infante, de Portugal

Com o golpe militar que instituiu a República, em 15 de novembro de 1889, a família imperial brasileira foi exilada na Europa. Os herdeiros diretos do último imperador, D. Pedro II, os filhos dos príncipes imperiais, D. Isabel Leopoldina de Bragança e D. Luís Gastão d’Orléans, foram criados na França até a maioridade. O que não é mito, é que aqui, como na Inglaterra, o chefe da casa monárquica – ou rei – desempenharia uma espécie de terceiro poder, ou poder moderador, quando por ocasião das crises políticas, que são recorrentes e normais em todas as democracias.

A Queda da Monarquia, naquele 15 de novembro de 1889, quando Deodoro da Fonseca assinou um manifesto na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, reunido com um grupo formado por cerca de meia dúzia de cidadãos, com a finalidade de legitimar o golpe, foi um episódio triste da história brasileira. A ocasião foi marcada pelas palavras pomposas que redigiram uma moção publicada no Jornal “Cidade do Rio”: “O povo, reunido em massa na Câmara Municipal (sic), fez proclamar, na forma da lei ainda vigente, pelo vereador mais moço (José do Patrocínio – dono do Jornal), abolicionista e até pouco autodeclarado fiel súdito da Princesa Imperial Dona Isabel, após gloriosa revolução que ‘ipso facto’ aboliu a Monarquia no Brasil – governo republicano”.

Foi uma quartelada perpetrada por militares do Exército, alguns quais nem sabiam que o objetivo final era a abolição da Monarquia, crendo que o alvo era tão somente o Gabinete liberal do Visconde de Ouro Preto. O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava, sendo que muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada militar.

Na sequência infame, o marechal ordenou a expulsão da família real do Brasil no mesmo dia, selando o fim do regime mais próspero, com garantias reais, individuais e jurídicas do Brasil, com uma constituição duradoura e – 1824 – com todas as garantias. Marechal Deodoro institui um governo provisório republicano e se torna então (sic) o primeiro presidente do Brasil encerrando o período constitucional parlamentarista do Império.

O mais engraçado em toda essa história é que o Marechal Deodoro da Fonseca era um monarquista, defensor do Império e da Constituição de 1824. O fim da monarquia é fruto de uma conexão de diversos processos e fatores que ocorreram durante o segundo reinado, justamente no momento de maior prosperidade no Brasil. D. Pedro I havia abdicado do trono brasileiro em 7 de abril de 1831 e retornado para Portugal a fim de vencer seu irmão D. Miguel e recuperar o trono português para sua filha, Maria da Glória. Por esta razão, deixou no Brasil seu filho, Pedro de Alcântara (Dom Pedro II), com 5 anos de idade. Portanto, como ele não poderia governar por ser menor de idade, iniciou-se o Período Regencial. O tutor deixado por D. Pedro I para seu filho foi seu antigo mentor, amigo e ministro: José Bonifácio. Ele se tornou responsável por ensinar a D. Pedro II os valores para bem governar. E foi Dom Pedro II que instituiu uma nova maneira de se gerir um Brasil arcaico e com costumes conservadores, autoritários, escravagista, rude e com uma elite atrasada.

Com estabilidade política, no final do século XIX, a economia estava forte. Surge o fortalecimento da iniciativa privada e uma economia liberal. É neste cenário que aparece o brilhante Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá. Filho de Arroio Grande-RS, Barão de Mauá foi a personificação do desenvolvimento e de uma nova era para o Brasil. Ele foi o maior empresário que o país já conheceu. Pregava o regime salarial e gerava negócios. Fundou o Banco do Brasil. Foi no Segundo Reinado, com Barão de Mauá e sob a égide de Dom Pedro II, que surgem as ferrovias, a iluminação a gás, o encanamento de esgoto e a indústria naval. Os espaços urbanos são renovados com ruas largas, hospitais, prisões, pontes, elevadores e túneis.

Pouco a pouco a mão de obra escrava foi sendo transformada em assalariada. As cidades cresciam e evoluíam. Os portos que mais se desenvolveram foram o de Santos e o do Rio de Janeiro. Mas tudo isso não serve para que uma conspiração elitista, conservadora, arcaica trame contra o imperador e fortaleça a disputa entre conservadores e liberais. A queda da monarquia, é fruto desta gama de conspirações e da disputa entre conservadores e liberais, que até hoje disputam a liderança no Brasil, sem uma visão elevada e de construção de um país com uma democracia forte e duradoura, como nos tempos de Dom Pedro II.

Pedro de Alcântara, com 66 anos, seguiu sozinho para Paris, ficando hospedado no Hotel Bedford, onde passava o tempo dedicado aos estudos e leituras de predileção. As visitas à Biblioteca Nacional eram seu refúgio. Os últimos anos de vida foram injustos para com D. Pedro II, um dos maiores governantes do Brasil.  Em novembro de 1891, com sequelas da diabetes, já não saía mais do quarto. D. Pedro II faleceu no Hotel Bedford, em Paris, França, no dia 5 de dezembro de 1891, em consequência de uma pneumonia. Seus restos mortais foram trasladados para Lisboa, e colocados no convento de São Vicente de Fora, junto ao da esposa e posteriormente trazidos de volta ao Brasil, em 1921. D. Isabel e sua família se instalaram no castelo da família do Conde d’Eu, na Normandia, no norte da França, que foi todo decorado com móveis e objetos brasileiros. A Princesa Isabel faleceu em Normandia no dia 14 de novembro de 1921, aos 75 anos de idade. Ela morreu no exílio sem haver retornado ao Brasil. Hoje, no 15 de novembro, a marca de uma data que não empolga o povo brasileiro, que não participou nunca do movimento que legitimou a república. Os costumes do tempo do império estão presentes até hoje na cultura brasileira, nas escolas de samba, nos clubes culturais e sociais e no ideário das pessoas que aqui vivem.