ARTIGO – OU SE VOLTA COM HONRA OU NÃO SE VOLTA MAIS

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OU SE VOLTA COM HONRA OU NÃO SE VOLTA MAIS
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Clayton Rocha
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E ele ainda dizia: Assistiremos a destruição do homem pelo próprio homem!
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O velho juiz era de paz! Ele plantava sementes de  trigo nas lavouras e a sua pluralidade de ideias em folhas de papel. Usava caneta tinteiro e defendia com tinta vermelha os princípios do Partido Libertador. Inspirava-se em  Paulo Brossard, em Mem de Sá, em Raul Pilla, em Assis Brasil e em Carlos de Britto Velho. Líder emancipacionista em Cerrito e em Olimpo, ensinou-me a discursar desde tenra idade. A sua faceirice durante a fala daquele menino de oito anos eu a vejo ainda hoje, depois de cinquenta anos vencidos, pois a fisionomia do “seu” Joaquim dispensava palavras.
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Quando cavalgávamos em tardes de quarenta graus de temperatura costumávamos descansar e beber a água das cacimbas. Ali trocávamos ideias sobre a lavoura e a próxima safra, sempre com os olhos postos nas águas calmas e poéticas das sangas e dos açudes. Depois de passar por uma porteira eu já sabia o que me esperava: – Filho, é a moda da fronteira, quem vem atrás fecha a porteira! A frase que muito ouvi de meu pai lá naquela segunda metade do século XX permanece viva em minha memória e vem confirmando, um a um, todos os seus preciosos exercícios de futurologia: – Ainda assistiremos a destruição do homem pelo próprio homem!
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Menino: – Devagar se vai ao longe! Observa os grandes exemplos que estão sendo dados pelos vultos que admiramos, e inspira-te em nossos amigos Raul Pilla, Luiz Fernando Cirne Lima, Décio Martins Costa, Getúlio Marcantônio, Edmar Fetter e Domingos Rosa de Oliveira. Ensinaram-nos, na transparência de suas caminhadas, que por mais elevada que seja a missão ela se fundamenta na humildade e no desejo de servir sem que nenhuma mancha seja capaz de  denegrir uma biografia. Nesta hora, meu filho, depois de concluída a missão, é tempo de voltar para casa: e para casa se volta com honra ou então não se volta mais!
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Juiz de paz, líder político, apaixonado pelos livros e pelos seus textos, Dirceu Silveira da Costa (o “seu” Joaquim) dedicava-se às suas lavouras de trigo, milho, sementes de cebola para exportação e à pecuária. E foi assim que lá em meio aos seus trigais ele teve consciência da grandiosidade da sua missão, ou seja, ele era um homem de letras que produzia o pão e a ideia.
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Foi numa manhã ensolarada do dia 9 de junho de 1968 que testemunhei a sua surpreendente partida enquanto conversávamos sobre política partidária. Ele se foi aos sessenta e seis anos de idade deixando-me mais respostas do que perguntas. Ao tentar fazer alguns resgates, concentro-me no tempo e naquele raciocínio de T. S. Elliot: O tempo presente e o tempo passado/ estão ambos talvez presentes no tempo futuro/ e o tempo futuro está contido no tempo passado. Portanto, se todo o tempo é eternamente presente, todo tempo é irresgatável.
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Aprendi com o poeta Manoel de Barros que a gente continua querendo, durante o tempo todo, encontrar imagens e mais imagens de pessoas abençoadas pela inocência. Pois tenho certeza que uma dessas imagens por mim mentalizadas é a de meu pai, ele que tinha um olhar cheio de Sol enquanto o silêncio contido numa prece honrava a sua vida. (CR).
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