MEMÓRIA TREZE HORAS: JEITO RUY DE SER

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JEITO RUY ANTUNES DE SER

Clayton Rocha.

Um jovem jornalista da Comunicação Social da UFPEL  tomara duas decisões:  iria casar e mudar-se para Brasília. Mas dependia de uma cedência para concretizar seu projeto de vida. Solidário à causa, não hesitei, liberando-o na hora. No dia seguinte, ao ser chamado por Ruy Antunes, tomei consciência de meu erro. Eu me precipitara, pois a palavra final era do Reitor e este teria de ser consultado. Constrangido, apresentei-lhe minhas desculpas e disse-lhe que já solicitara a anulação da carta de liberação do referido profissional para a U.N.B., e que minha atitude resultara de um impulso de solidariedade ao colega de trabalho, disposto a buscar novos espaços jornalísticos no Distrito Federal. Ouvi dele uma só pergunta em referência ao episódio. – “Mas era isso mesmo o que tu querias?”  Respondi que sim.  Em seguida registrei sua resposta. – “Pois então a tua decisão está mantida.” Depois dessa frase dele, nunca mais tocamos nesse assunto.

Dois anos mais tarde a UFPEL lutava para conquistar 4 milhões de dólares visando implantar um radar meteorológico e importar meteorologistas  da antiga União Soviética. Acreditava-se que a decisão passava por Marco Antonio Raupp, Diretor Geral do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais, INPE,  sediado em São José dos Campos. Consegui um avião emprestado, o do empresário Érico Ribeiro,  e lá fomos nós para o interior de São Paulo.  O gaúcho Raupp, íntimo do Dr. Ulisses Guimarães e ainda  seu afilhado, foi incansável na acolhida mas informou-nos no ato que a palavra final seria dada  pelo Secretário de Ciência e Tecnologia do RS, Deputado Ruy Carlos Ostermann.  O Reitor da UFPEL já sabia que Santa Maria, Porto Alegre, Caxias do Sul, Passo Fundo e Bagé também eram sérias candidatas aos recursos internacionais. Ao tomar ciência de que era tudo com o Ruy Ostermann, olhou-me e não disse nada. Mas era possível perceber um brilho em seus olhos.  Entendi na hora. Ruy, o professor de ciência política, sabia o quanto pode uma boa articulação e uma marcante  amizade.

Algumas semanas depois, ao final de concorrida reunião almoço na antiga churrascaria Devon da Rua Riachuelo, em Porto Alegre, Ruy Brasil Barbedo Antunes fez apenas uma pergunta a Ruy Carlos Ostermann, tendo ouvido a resposta que queria: – “ Xará, o Radar é de Pelotas.” Confraternizamos e brindamos pelos 4 milhões de dólares obtidos, organizamos juntos homenagem ao Secretário de Estado na Universidade de Pelotas e nunca mais tocamos nesse assunto.

Ruy era assim. Olhava para a frente. Ouvia mais do que falava. Tinha sentimentos, compreendia e respeitava a outra parte.  Tanto, que certa vez subiu numa marquise da Reitoria, em situação aparentemente constrangedora, para provar aos estudantes que aceitava o bom debate. Tentou falar, foi duramente vaiado. Não se importou com isso.  Fizera a sua parte. Plenamente consciente de que os espíritos tranquilos não se confundem nem se atemorizam. Continuam em seu ritmo próprio na ventura ou na desgraça, como os relógios durante as tempestades.

 Atuou a vida inteira nos endereços de suas duas paixões, a Federal e a Católica, e  fez rádio  durante 8 anos na equipe Treze Horas. Algumas vezes tentei entrar na sua alma para avaliar suas convicções e para captar sua visão do mundo. Porém o  máximo que se pode alcançar neste plano de prospecções biográficas são visões de como as pessoas atuam em certas circunstâncias. E a marca deixada por ele  é a de um homem que analisava todas as hipóteses possíveis até achar e amadurecer a melhor das soluções. Além do mais,  éramos amigos desde 1968 quando realizamos juntos a primeira transmissão de Vestibular. E sabíamos, graças a um convívio de quase 40 anos,  que o amigo não nos engana, fala-nos sempre com a  verdade. E que a amizade tende a fugir a tudo o que é imposto, a tudo o que é dado. Ela não pode ser um peso, deve ser sempre leve, para  que nosso amigo possa ajudar-nos, e também ser ajudado, livremente.

Ruy, assim é a surpreendente vida. A que se sustenta no amor a Deus e nos sinais da boa amizade, salvaguardas que se apresentam toda vez que pensamos na dura verdade, a de que assim vivemos, despedindo-nos sempre. Te afianço: sendo a fé uma claridade que desfaz as sombras interiores, viver nos corações que deixamos atrás de nós não é morrer.  Amigo: cuida bem de ti, porque, um dia, hás de voltar à brisa do Campus como a lua que volta ao pátio dos poetas.