DO CORREIO BRAZILIENSE – MESTRE WOO NA FICÇÃO

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Severino Francisco cursou jornalismo no Uniceub e fez mestrado em literatura na UnB. É jornalista desde 1978. Lecionou jornalismo e estética no Uniceub. É autor, entre outros, de Da poeira à eletricidade – Uma história da música em Brasília e de biografia sobre o artista plástico Athos Bulcão. Escreve a coluna Crônica da Cidade do Correio, desde 2006.

MESTRE WOO NA FICÇÃO

Severino Francisco*

Eu fui vítima do talento do escritor gaúcho-brasiliense Lourenço Cazarré. Servi de inspiração para a criação de Severiano Severo, o personagem-protagonista da novela A fabulosa morte do professor de português (Autêntica), dirigida especialmente ao público infantojuvenil, que fez muito sucesso, com milhares de exemplares vendidos.

Nos anos 1980 e 1990, inspirado pelos ídolos da juventude Oswald de Andrade, Paulo Francis, Mario Faustino e Torquato Neto, eu descia o sarrafo, instalado na condição de crítico. Adotei o lema de Faustino: “Piedade matou minhas ninfas”.

Ao ler a narrativa infantojuvenil A fabulosa morte do professor de português, pensei em entrar com um processo para cobrar direitos autorais. Com muita verve, Cazarré reconstitui, de forma satírica e sarcástica, muitos episódios de minhas aventuras e desventuras de crítico literário da taba. A minha família, os meus amigos, os meus inimigos e eu nos divertimos muito.

Sim, porque Cazarré tem senso de humor gaúcho apurado. Sabe transformar cacos desconexos de histórias em uma ficções interessantes. Agora, no último livro, a coletânea de contos Exercícios espirituais para insônia e incerteza (Editora Insular), o nosso mestre da medicina chinesa, professor Woo, que coordena o famoso tai chi na Entrequadra 104/105 Norte, teve melhor tratamento.

Woo é personagem coadjuvante do conto Pai, tu tá virando peixe, protagonizado por um homem apaixonado, de maneira obsessiva, pelas piscinas. Depois de uma das sessões de natação, o homem fica com o corpo todo travado e procura o doutor Woo. Com o instinto do essencial, o mestre bota o dedo na causa da enfermidade: “Corpo bom, mas tenso” – disse o doutor Woo. “Foi magro muito tempo faz”.

Woo aplica as agulhas nos pontos de energia, liga uma maquininha e destrava o corpo do nosso personagem. Ele chegou dizendo que havia se “rendido à feitiçaria”, mas percebe que queimou a língua e sai grato ao mestre da medicina chinesa pela dádiva: “Senhor precisa é nadar piscina. Se nada, não volta casa chinês”, adverte o mestre.

Cazarré reconhece que a parte do doutor Woo é muito autobiográfica. Sempre gostou de nadar, mas é um péssimo atleta porque aprendeu nos tempos de guri, dando porrada nos rios de Pelotas. Considera que nada como um prego. Foi o último frequentador das piscinas do Clube de Imprensa, de tantas memórias agradáveis. Certo dia, travou o corpo, marcou uma consulta e foi salvo pelo doutor Woo.

Não anteciparei o final do conto O homem que virou peixe. Em troca, reproduzo trecho de uma autobiografia escrita pelo próprio Cazarré: “Nada é mais difícil para um escritor do que tentar escrever uma autobiografia, mesmo que resumida. A inclinação natural para a mentira e para o exagero dos contadores de história é algo que só se aprofunda, com o passar do tempo. Eu, por exemplo, me sinto inclinado a dizer que nasci na Rússia, no século 19, e que fui amigo de três sujeitos: o conde Leão Tólstoi, o doutor Antônio Tchecov e aquele cara esquisito que tinha um sobrenome ainda mais estranho: Gogol.”

Na verdade, Cazarré é gaúcho de Pelotas, mora em Brasília desde trabalhou muitos anos como jornalista e ganhou os principais prêmios de literatura do país. Ele resume assim o seu projeto literário para os jovens. ” Tento fugir desesperadamente da chatice”. Deu certo: ele ganhou os principais prêmios literários do país e seus livros são lidos por milhares de adolescentes.

*Severino Francisco

Severino Francisco cursou jornalismo no Uniceub e fez mestrado em literatura na UnB. É jornalista desde 1978. Lecionou jornalismo e estética no Uniceub. É autor, entre outros, de Da poeira à eletricidade – Uma história da música em Brasília e de biografia sobre o artista plástico Athos Bulcão. Escreve a coluna Crônica da Cidade do Correio, desde 2006.