ARTIGO – KLEITON & KLEDIR, A BIOGRAFIA

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Lourenço Cazarré. Foto: Barbara Cabral

Kleiton e Kledir, a biografia

Lourenço Cazarré*

Já está nas redes de vendas de livros, redes virtuais, claro, já que as livrarias ou foram ou estão indo para o espaço sideral, Kleiton e Kledir, a biografia, tijolaço de 400 páginas, escrito por Emílio Pacheco, que traz tudo ou quase tudo que você queria saber sobre aqueles guris de Pelotas. Guris da Amarante, estudantes do Assis Brasil, guris do Laranjal, estudantes da ETP, que já estão há mais de cinquenta anos fora da Princesa.

Imitando Jack, o Estripador, podemos fatiar o livro em cinco pedaços, para melhor compreensão dos futuros leitores.

O primeiro trecho corresponde à família. Que família é essa que têm tantos artistas, quase todos músicos? A verdade curiosa é que aos dois lados do casal pelotense Alves Ramil têm origem no Uruguai. Kleber nasceu em Montevidéu, mas se mudou para Pelotas, onde cursou agronomia. Lá conheceu e namorou uma guria, Dalva, cuja família era de Cerro Largo. O namoro da época, anos 1940, era extremamente recatado. O moço ficava na calçada e a moça, protegida, por um tabique, do lado de dentro da casa.

Casaram-se e tiveram seis filhos. Nas reuniões, organizadas pela mãe, os filhos tocavam vários instrumentos e dançavam. O pai usava o vozeirão para os tangos.

Corta para o segundo trecho: Almôndegas. Para cursar a faculdade, os dois rapazes se mandaram para Porto Alegre e lá se decidiram por engenharias: eletrônica e mecânica. Não nos interessa saber quem fez o quê, pois jamais tiraram o pão das ciências exatas.

Uma série de incríveis coincidências, apontadas todas por Emílio Pacheco, deu origem aos Almôndegas. Seria apenas mais uma entre as centenas de bandas de fundo de quintal ou de garagens que certamente pipocavam em Porto Alegre nos meados do setenta. Seria, mas não foi porque reuniu, em suas várias formações, quase uns dez caras talentosos.  A banda gravou uns cinco discos e um dia – quando já moravam no Rio de Janeiro -, por fadiga do material, dissolveu-se.

Passamos então ao terceiro pedaço do livro: a dupla. A formação do dueto veio como que meio por acaso. Kledir estava no Rio, Kleiton penava para matar seu curso de engenharia em Porto Alegre. Então, o mais velho compus uma animada melodia e a enviou para o mais jovem.

Foi assim que nasceu a divertidíssima “Maria Fumaça”, que eu, na minha absoluta ignorância musical, considero a melhor canção de humor da riquíssima história da música do Brasil.

Esse trecho do livro é o mais movimentado. Os irmãos enfileiraram uns três ou quatro discos de sucessor arrasador no começo dos anos 1980. Caem então na loucura. Numa época em que músicos obtinham boa parte de sua renda nos shows, chegaram a fazer mais de 120 espetáculos em um só ano.

Mas haviam perdido as coordenadas. Não sabiam mais se estavam em um hotel, um avião, num estúdio de gravação ou na coxia de um palco. Perderam-se de si mesmos.

Atravessemos rapidamente a quarta estação do livro: os anos em que os irmãos estiveram separados, envolvidos em projetos pessoais.

Chegamos então ao quinto movimento desta nossa breve sinfonia, que é o retorno. Esse retorno, que já passa de vinte anos, pode ser sintetizado assim: jamais, em momento, algum os dois deixaram de criar, de se reinventar. Foram incontáveis projetos bem-sucedidos. Como, por exemplo, o maravilhoso “Par ou ímpar” e o criativo “Com todas as letras”.

O livro é completo. Vê-se que Emílio Pacheco leu todos os folhetos de shows de K e K, que foram milhares. Mais impressionante ainda: ele foi atrás até mesmo de pessoas que fizeram gravações de espetáculos já esquecidos em aparelhos antediluvianos.

Parabéns ao autor. Para os fofoqueiros roerem há umas quatro ou cinco historinhas mais apimentadas. Mas curtíssimas. Só lamento que o livro não se aprofunde mais no mecanismo criativo dos irmãos. Sabe-se que o maestro Kleiton produz a maioria das canções e que o menestrel Kledir dá corpo a muitas letras.

Não, pensando bem, é melhor que não falem da criação porque, quando tratam dela, só recorrem a termos que nós, humanos, desconhecemos, como: compasso, andamento, afinação, timbre, harmonia, acordes e outros elementos alquímicos.

*Jornalista e Escritor.