ARTIGO – CÓDIGO DA BOLA

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ARTIGO – CÓDIGO DA BOLA
O Legado de Pelé

Clayton Rocha
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Por favor, um minuto de silêncio em todos os campos. Pelé, o maior jogador de futebol de todos os tempos, ficou encantado. Ele acaba de driblar o mistério, numa jogada plástica e magistral, que será lembrada durante todos os tempos. E por conta deste gesto ele passará a viver no campo dos nossos melhores sonhos.

E se ele é luz a partir de agora, já sabe que não vai, mas fica! Viverá na memória do povo, em todas as geografias qualquer que seja o idioma disposto a louvá-lo. A partir de agora, quando até mesmo a bola passa a ter nome, sua herdeira que é, será possível enxergá-lo em toda a parte nesses espaços que são frequentados anonimamente pelas poderosas energias espirituais das genialidades do esporte. E sempre que a nossa imaginação buscar algo a mais em cenas diferenciadas e imortalizadas, ele, Pelé, estará diante de nós. O rei do futebol mundial, primeiro e único, se fará presente em todos os endereços, beneficiado pela facilidade da locomoção, em nome de um dom divino que a tão poucos envolve.

Ele não vai, ele fica! Pelé sai do campo para entrar na memória do mundo, ele que é aclamado em todas as nacionalidades, na honrosa posição de síntese do futebol.

Ele não vai embora, ele fica! Naquelas suas quatro letras, numa bola, na camiseta canarinho do Schlee.

Ele não vai embora, ele fica! Naquelas suas quatro letras, numa bola, na camiseta canarinho do Schlee. Ele fica na sinalização de grandeza, que será reverenciada em qualquer que tenha sido a geografia de suas andanças, porque a arte é tudo – tudo o resto é nada.

Se um hoje vale por dois amanhãs, na Cartilha de Pelé uma jornada arrebatadora e gloriosa vale por toda a eternidade. O segredo dele era a improvisação, porque as coisas que ele fazia eram inventadas na hora. Pelé é um dos poucos, disse Andy Warhol, que contrariaram a minha teoria: – Em vez de quinze minutos de fama, ele terá quinze séculos de veneração.

Eu disse a mim mesmo: – Ele é de carne e osso, assim como eu. Estava enganado, na expressão de Tarcísio Burgnich (defensor italiano na Copa de 1970). – Quando vi Pelé jogar me deu vontade de ‘pendurar as chuteiras’ afirmou Just Fontaine, artilheiro do Mundial de 1958. Vale dizer que não é segredo para ninguém que Pelé e a bola sempre tiveram um código para combinar encontros impressentidos na intimidade da pequena área. Muito gol bonito de Pelé nasceu dessa secreta aliança.

Caro leitor: hoje o céu está aberto às lendas, porque estas sobrevivem na luz! Aquele que enxerga o início e o fim, esse não falha. E também sabe que no fim do silêncio está a resposta. No fim dos nossos dias está a noite. No fim da nossa vida, um novo início.

A perfeição não existe, mas quem chegou mais perto dela foi Pelé. Pelé é a figura suprema do futebol como Garbo e Picasso, basta-lhe um só nome. Pelé entrava em campo com corpo, genialidade alma e coração. Ele desequilibrou o mundo. No momento em que a bola chegava aos pés de Pelé o futebol se transformava em poesia.

Era generoso com o interlocutor e o deixava à vontade. Percebi isso em Buenos Aires durante meia hora de conversa ao microfone da Rádio Gaúcha. Até nesses momentos ele fazia o seu gol diferenciado: um gol de respeito humano e uma aula de paciência e humildade. Minha antiga auto-suficiência juvenil (naquela Buenos Aires de 1978) foi maravilhosamente driblada por ele.