ARTIGO – PROVANDO DO PRÓPRIO VENENO

497
Retrato do ambiente da universidade pública brasileira nos dias de hoje.

PROVANDO DO PRÓPRIO VENENO

Paulo Gastal Neto*

Invariavelmente lemos noticias, ficamos sabendo através de amigos, ouvimos relatos, de ações antidemocráticas sofridas por docentes, alunos e funcionários, nas universidades brasileiras. São agressões morais, assédios, até fisicamente, em seus locais de estudos, pesquisas e trabalho. São pressões que recaem sobre os que não são simpatizantes das correntes ideológicas que dominam os meios acadêmicos nos dias de hoje.

Isso mesmo: a universidade pública brasileira, há muito tempo, deixou de ser um local de aprimoramento intelectual, de desenvolvimento da crítica, de formação clássica, de virtudes e transformou-se em mero laboratório, com o intuito de servir interesses ideológicos às mais diversas correntes de esquerda. Uma vertente autoritária, sectária e reacionária. E então, com todos esses ingredientes, formou-se uma tempestade perfeita, que, por aqui, está sendo testemunhada através das notícias sobre a consulta para a escolha do novo reitor na UFPel.  O RS, mais precisamente a cidade de Pelotas, assiste o ápice de um festival de ações que estão em absoluto desacordo com uma instituição de ensino superior.

Em editorial deste sábado, 21.09, o jornal local A Hora do Sul define e enfatiza a desorganização do processo eleitoral na universidade pelotense https://ahoradosul.com.br/conteudos/2024/09/20/imprevisivel-e-desorganizado/. Imprevisível e desorganizado.

Define a consulta como a ‘cereja do bolo’ de uma ‘bagunça feita ao longo de praticamente todo o ano. A falta de um resultado claro, com estatuto que não previa empate técnico e em formato de peso dos votos em que nem mesmo os próprios envolvidos parecem entender, é um resumo da desorganização’ enfatiza a opinião do jornal, com razão.

Prossegue o editorial: ‘A coisa tem sido atrapalhada desde o início, com postergações, dúvidas, tentativa de fazer eleição em meio à greve. As chapas, infelizmente, também deram aula de desrespeito com tantas trocas de farpas, propostas que beiram o populismo em diversas frentes e acusações de racismo de ambos os lados. A escolha foi para o raso debate e diminuir o ambiente universitário, com discussões negativas ao ambiente e à imagem da universidade’.

Pense leitor: Se os integrantes não são capazes de organizar um processo transparente, de nível elevado, teriam então condições de conduzir uma complexa instituição, como uma universidade com mais de 20 mil alunos?

A constatação exposta acima tornou-se uma voz corrente e não é difícil perceber que quem sofre são os que, de um modo ou outro, não concordam com tais posições: tanto em relação a organização do pleito (ou desorganização), quanto a ideologização dentro dos meios acadêmicos. Os mais insatisfeitos não são os envolvidos e sim os que buscam conhecimento, os que não são alinhados com correntes. Esses de imediato são ‘carimbados’ com os selos de: ‘direitistas’, ‘racistas’, ‘misóginos’, ‘fascistas’, ‘bolsonaristas’, ‘nazistas’ e tantas outras expressões de cunho pejorativo.

Na maioria dos espaços universitários (federais ou públicas) esse tem sido o modelo, o ‘modus operandi’, dos que se ‘apoderaram’ da academia. Existem, em certas instituições, verdadeiros tribunais que possuem a tarefa de medir o grau de negritude dos estudantes que se inscrevem como cotistas, não bastando o documento, a boa fé ou a ancestralidade. Se o avaliado não passar pela ‘régua’ do inquisidor, a cor da pele poderá lhe ser negada. Há a necessidade do crivo deste tribunal, para referendar o ingresso através do sistema de cotas ou não.

Lembro também um recente exemplo de verdadeiro engajamento: autoridades acadêmicas subiram em caminhão de som, em evento de um partido político, para vociferar sobre um contingenciamento de orçamento do ministério da educação, fato corriqueiro que ocorre todo ano geralmente em agosto ou setembro e em todos os governos. No mês passado, diante de situação absolutamente semelhante, houve um absoluto silêncio por parte dos mesmos interlocutores. Não lhes parece que subestimam a inteligência da comunidade?

Mas voltando a eleição e o sabor do veneno. A tal consulta informal na UFPel está sendo questionada por parte da chapa perdedora. As duas vertentes, sem esconder, flertam com pensamentos de esquerda. Mesmo que a tal consulta não tenha nenhum interesse para a população, pois o que está em jogo são questões internas, alguns interesses próprios e maniqueísmos pobres, as notícias chegam às pessoas. As redes sociais estão aí para expor e mostrar o quão pequeno se tornou o debate em uma instituição de ensino superior.

A comunidade – tirando os interessados – volta a ter a mais cristalina convicção de que a escolha de um reitor deveria ser por mérito, amparada na carreira universitária do indivíduo, na vida dedicada a para com a instituição e na capacidade gerencial. Mas não é assim. O processo foi partidarizado, ideologizado e o resultado é este que estamos assistindo: uma briga destemperada entre duas correntes ideológicas de esquerda. Resultado: a chapa perdedora acusa que “estudantes” e militantes da outra vertente, covardemente agrediram, pressionaram, intimidaram, humilharam, os simpatizantes da sua chapa. Começam a surgir denúncias de possíveis fraudes como voto duplicado, de não cumprimento de acordo assinado em ata, enfim, a chapa perdedora acusa a vencedora de conspiração e um possível golpe. Mas então: essa prática, esse objeto da denúncia, não é exatamente o que as duas vertentes estão acostumadas a fazer com os que não simpatizam com sua ideias? Não é assim que agem contra quem não concorda com suas posições? Estamos assistindo então um ‘provar do próprio veneno’. Os mesmos se engalfinhando pública e constrangedoramente.

A tão propalada autonomia universitária não deve ser confundida com libertinagem para a prática de todo o tipo de ação. Autonomia universitária não deve ser confundida com licença para baderna, licença para arruaça.

Como finaliza o editorial do jornal A Hora do Sul: A UFPel é referência em ensino, pesquisa e extensão, com atividades que impactam em toda a comunidade da Zona Sul. Não pode, com tudo o que se espera dela, dar aula de bagunça e desorganização. Definitivamente, não combina com o seu tamanho.

Enquanto isso a comunidade do sul assiste estupefata.

*Radialista e editor do site www.pelotas13horas.com.br