
O FORNO DA TARTARUGA
Luis Fernando Braga*
Aristóteles, ao dizer que fomos retirados do forno antes do tempo, nos convida a contemplar a peculiaridade de nossa existência. Somos obras inacabadas, moldadas pela fragilidade que nos define ao nascer e pela interdependência que nos caracteriza ao longo da vida. Diferente dos demais seres que chegam ao mundo completos, prontos para cumprir o papel que a natureza lhes reservou, nós somos páginas ainda por escrever, quadros aguardando as primeiras pinceladas, músicas que nascem em silêncio.
Essa condição não é uma falha, mas uma dádiva. Ser incompleto é estar aberto ao mundo, ao toque do outro, à troca de olhares e gestos que nos moldam. Não nascemos para a solidão; somos criaturas destinadas ao encontro. E é nesse encontro que encontramos a força para avançar, para crescer, para nos tornarmos quem somos. O outro não é apenas um companheiro de jornada; ele é parte essencial da nossa construção. Somos pedaços de cada pessoa que cruza nosso caminho, fragmentos de ensinamentos, memórias e afeto que se entrelaçam em nossa essência.
Há uma poesia na maneira como nossa vulnerabilidade inicial revela a verdade do que somos. Um recém-nascido, ao lado de um ovo de tartaruga na praia, é um contraste que fala diretamente ao coração. O ovo carrega a promessa de vida pronta para enfrentar o mundo; a tartaruga emerge completa, com suas ferramentas de sobrevivência. Já o bebê humano é uma súplica silenciosa, por cuidado, por calor ou por proteção. Ele nos lembra que não nascemos prontos, mas nascemos com potencial, e é no abraço do outro que encontramos nossa plenitude.
Ao longo da vida, essa dependência inicial se transforma em uma troca contínua. Não crescemos apenas sozinhos; crescemos com o outro, por meio do outro e para o outro. Somos espelhos que refletem as faces daqueles que encontramos, e cada interação nos transforma de forma irreversível. Professores nos abrem portas para universos antes desconhecidos; amigos nos seguram quando tropeçamos; a família nos embala e nos ensina o significado de pertencimento. São essas conexões que nos moldam, que nos sustentam, que nos fazem seguir adiante. Mas essa metáfora aristotélica é mais do que uma descrição da nossa infância. Ela é um reflexo da nossa jornada como seres humanos, como indivíduos e como parte de uma coletividade.
Em um mundo que muitas vezes exalta a independência, é essencial lembrar que somos feitos para a interdependência. Não há isolamento que possa sustentar nossa evolução. Somos criados para amar, para aprender, para compartilhar. Cada pedaço de nós é um elo em uma cadeia maior, um fragmento em um mosaico que nos une uns aos outros. E assim, ao sermos tirados do forno antes da hora, carregamos em nós a marca da imperfeição, mas também da possibilidade infinita. Somos esculturas vivas, moldadas pelas mãos que nos tocam, pelas vozes que nos embalam, pelos corações que nos acolhem. Não nascemos prontos, mas nascemos com a capacidade única de construir, de transformar, de transcender.
A jornada da nossa existência é, portanto, uma troca entre o eu e o outro, entre o individual e o coletivo, entre a fragilidade e a força. Fomos feitos para o calor das conexões, para as chamas do aprendizado, para as fagulhas do amor. E é nesse forno, alimentado pelas relações que criamos e pelas trocas que compartilhamos, que nos moldamos, que nos encontramos, que nos tornamos. Ao contemplar essa metáfora, descobrimos que nossa incompletude não é um fim, mas um começo.
Somos, acima de tudo, seres em construção. E cada dia, cada encontro, cada gesto de cuidado ou bondade é uma oportunidade de adicionar novas cores ao grande quadro da nossa existência.
*Engenheiro e economista.