O DIA DE SOBRECARGA DA TERRA
Althen Teixeira Filho, Marco Gottschalk e José Domingues de Godoi Filho
Em 1992, aproximadamente 1700 cientistas(1), muitos ganhadores de prêmio Nobel em ciências, alertavam num “primeiro aviso” que a humanidade estava em colisão com o mundo natural, por causar danos irreversíveis ao meio ambiente e a recursos críticos (água, solo, ar), levando a uma situação de impossibilitar o sustento da vida.
Em 2017, 15 mil cientistas (2) de 184 países publicaram um “segundo aviso”, advertindo a humanidade sobre o destino “irremediavelmente mutilado” do nosso planeta. Notificavam que, passados 25 anos desde aquela primeira nota, ocorrera uma diminuição de 25% de água potável por pessoa; aumento do número de “áreas mortas” por poluição nos oceanos em 75%; aumento do desmatamento em mais de 120 milhões de hectares de florestas; decrescimento do número de mamíferos, répteis, anfíbios, pássaros e peixes em 29%.
Ainda em 2017, a revista científica “Proceedings of the National Academy of Sciences” (3) publicou artigo informando que o mundo já vivia uma “aniquilação biológica” de suas espécies animais, fato considerado uma sexta extinção em massa. Cita o artigo: “Nas últimas décadas, a perda de habitat, a superexploração de recursos, os organismos invasivos, a poluição, o uso de toxinas e, mais recentemente, as mudanças climáticas, bem como as interações entre esses fatores, levaram ao declínio catastrófico nos números e nos tamanhos das populações de espécies de vertebrados tanto comuns como raros”.
Em 8 de agosto passado, alcançamos o “Dia de sobrecarga da Terra”, ou seja, de 1º de janeiro até esse dia, já havíamos consumido tudo o que seria permitido para o presente ano. Depois disso, ou seja, até 31 de dezembro, desfrutamos de bens que “pertenceriam” aos nossos filhos, aos nossos netos. Em 13 de agosto, a revista “Nature” (4) publicou artigo informando que, devido ao intenso derretimento, a camada de gelo da Groenlândia muito possivelmente não poderá ser mais recuperada, provocando uma elevação dos mares em seis metros ao longo desse século.
Em 10 de setembro, a “BBC” (5) repassou informe de cientistas que, devido a atividade humana, ocorreu um “declínio catastrófico” da população de vida silvestre em aproximadamente dois terços nos últimos 50 anos. O Dr. Andrew Terry, da “Zoological Society of London”, afirmou: “se nada mudar, a população inquestionavelmente continuará a diminuir, levando a vida silvestre à extinção e ameaçando a integridade dos sistemas dos quais dependemos”! A própria pandemia vivida é uma lembrança potente, diária e com um custo de vidas altíssimo de como a natureza e a espécie humana são interdependentes!
A péssima utilização dos solos; destruição e queimadas de florestas; uso de venenos agrícolas associados com transgenia; minerações; consumismo; opções alimentares que geram obesidades; destruição de nichos ecológicos; plantios de lavouras de árvores e de grãos para alimentação de animais; contaminação e destruição de fontes hídricas; produção e destinação desastrosa de lixo, principalmente o plástico; planejamento familiar, são assuntos de debate de primeira ordem, visando a sobrevivência da humanidade.
Na contramão de soluções tem-se políticos incompetentes, néscios e corruptos que desconsideram e fragilizam legislações ambientais; o discurso fácil e mentiroso da geração de emprego, renda e “progresso”; o silêncio de instituições científicas e falta de cultura de muitos cientistas; o medo e a insegurança sobre o hoje que temos e o que o amanhã nos reserva!
Todos esses impactos estão presentes e afetam, em maior ou menor grau, todo e qualquer país, todas as cidades e todos os cidadãos em qualquer região do planeta. Contudo, não é a integridade do planeta que corre riscos, mas sim o que estamos fazendo com a vida
Ao tratar da questão ambiental é importante ter claro que não é o planeta que tem que ser salvo. Sua integridade não corre risco, mas sim o que está ocorrendo com a vida. O tempo de validade para a existência da espécie humana dependerá de como vamos cuidar das condições de vida no planeta.
Referências:
(1) World Scientists’ Warning to Humanity (1992) – Disponível em: https://www.ucsusa.org/resources/1992-world-scientists-warning-humanity – Acesso em 01/10/20.
(2) Mundo vive sexta extinção em massa – e é pior do que parece. Disponível em: https://g1.globo.com/natureza/noticia/mundo-vive-sexta-extincao-em-massa-e-e-pior-do-que-parece.ghtml – Acesso em 01/10/2020.
(3) Ceballos,G, G, G, G., Erlich, P.R. and Dirzo, R. Biological annihilation via the ongoing sixth mass extinction signaled by vertebrate population losses and declines. Disponível em: https://doi.org/10.1073/pnas.1704949114 – Acesso em: 01/10/2020.
(4) King, M.D., Howat, I.M., Candela, S.G. et al. Dynamic ice loss from the Greenland Ice Sheet driven by sustained glacier retreta. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s43247-020-0001-2 – Acesso em: 01/10/2020.
(5) WWF (2020) – Living Planet Report 2020 – Bending the curve of biodiversity loss. Almond, R.E.A., Grooten M. and Petersen, T. (Eds). WWF, Gland, Switzerland
– Althen Teixeira Filho—Professor da Universidade Federal de Pelotas/Instituto Biologia – althen@gmail.com
– Marco Gottschalk – Professor da Universidade Federal de Pelotas/Instituto de Biologia – gotts007@yahoo.com
– José Domingues de Godoi Filho—Professor da Universidade Federal de Mato Grosso/ Faculdade de Geociências – jdgodoif@terra.com.br