NELSON PIQUET
Clayton Rocha*
Publicado originalmente no Diário Popular em 22.05.1992
O acidente de Piquet em Indianápolis não aconteceu. Assim como jamais aconteceu algo parecido com o Senna ou com o Émerson Fittipaldi. Pois o Piquet, o Senna e o Émerson são, para mim, inatingíveis. Com qualquer um outro, tudo bem. Batem, perdem pedaços, alguns morrem, se desmancham numa curva etc e tal. Mas com esses três, ah…com esses não. Eles estão acima das coisas cruéis. Acima das notícias desagradáveis e, por consequência, da tragédia.
Morte, e o leitor há de concordar comigo, é uma palavra que não combina com Nelson Piquet. Nem com os outros dois grandes pilotos brasileiros, lendários senhores da velocidade que, somados, garantem ao natural, oito títulos mundiais de fórmula um, façanha que o futebol, por exemplo, jamais conseguiu em Copas do Mundo. Mas, enfim, que pergunte o leitor se ele, em algum momento, chegou a imaginar o Piquet morto. Aquele formidável gozador, ali, inerte, de mãos postas? Piquet, fora da vida, com toda aquela sua alegria de viver? Não se admite simplesmente.
Um dia, lá atrás no tempo, até chegou a acontecer com um brasileiro. Mas era o Môco. E o José Carlos Pace era, definitivamente, um homem sem boa sorte. Eu lembro de tudo, daquele 1977. Na minha condição de jovem narrador de F-1, eu tinha terminado de assistir a uma aula do Anterinho Riff Leivas e, no bar da Faculdade de Direito, conversava com colegas de aula sobre a minha próxima viagem. Avisado por alguém, troquei o entusiasmo e a alegria pela profunda surpresa com o ocorrido. Um avião pequeno, Araraquara, uma tempestade, e o fim. Não deu para aceitar na primeira hora. Eu só consegui pensar na ironia toda da coisa: a de que ele pilotava perigosamente a 350 por hora e foi morrer na suavidade das nuvens, a meio caminho do céu. Mas algum tempo depois, naquele mesmo dia, a minha cabeça elaborava tudo porque o próprio Môco dava as razões: ele era um homem de sorte. Pobre Pace. Até mesmo a sua morte tinha como ser justificada.
Mas voltemos a Piquet. Ele está no Metodista de Indianápolis, e seu pé esquerdo, destruído, não sinaliza com maiores esperanças quanto ao futuro do piloto tri-campeão do mundo no automobilismo.
Não pode ser verdade.
Piquet está hospitalizado, numa CTI, sendo submetido a inúmeras cirurgias, muitas delas intermináveis. Os médicos, reservadamente, já admitem a possibilidade de amputação de seu pé esquerdo.
Isso não passa de um pesadelo.
Com Nelson Piquet não. Trata-se de uma fantasia. Pura invencionice, ou apenas um desejo maldoso de quem não gosta dele. Simplesmente porque Piquet, e saibam todos disso, está esperando um carro novo. A Ferrari, de preferência. E está descansando, em alguma ilha deserta, amando a sua nova amada para amar mais tarde uma reluzente Ferrari avermelhada.
Piquet, não. Com ele não acontecem essas coisas, me diz o Pedro Antônio, no telefonema que não houve. Porque, simplesmente, Piquet é Piquet. É mito. É um cidadão acima de qualquer tragédia pessoal. É igual a Senna e a Émerson.
E se disserem, por aí, maldosamente, que aconteceu alguma coisa grave com qualquer um deles, digam que é mentira. Com qualquer outro até pode ser. Mas com eles não. Porque quando eu falo neles, eu só lembro de bandeiras, hinos e troféus. E por vezes, quando a corrida é para decidir alguma coisa, eu confesso que até me emociono. Pois enquanto eu penso no bendito arrepio da vitória ou na lágrima lenta que se segue a um podium vestido de verde e amarelo, que se faça uma perguntinha ao leitor: o que seria do orgulho brasileiro sem Piquet, Senna ou Émerson Fittipaldi.
*Jornalista