ARTIGO – A OMS SEM OS EUA E OS DESAFIOS PARA A SAÚDE GLOBAL

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A OMS sem os EUA e os Desafios para a Saúde Global

Pedro E. Almeida da Silva*

A saída dos Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS) trará impactos tanto para os EUA quanto para a organização. A retirada do suporte americano comprometerá programas essenciais, como o combate a doenças infecciosas (HIV, tuberculose e malária), emergências sanitárias e o fortalecimento da saúde global.

Embora a decisão estadunidense seja um retrocesso no compromisso com esforços globais para atingir as metas de saúde previstas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, algumas das críticas dirigidas à OMS não são infundadas e devem ser usadas como indicativos de mudanças necessárias na gestão da organização. Falhas na resposta à pandemia, ausência de transparência, dependência de financiamento voluntário, carência de autoridade para impor medidas globais e desigualdade no acesso a diagnóstico laboratorial, vacinas e medicamentos são desafios que destacam a necessidade de reformas para fortalecer sua governança, independência financeira e capacidade de coordenação em crises sanitárias globais.

Para enfrentar a perda de recursos dos EUA, a OMS precisará diversificar ainda mais suas fontes de financiamento. Atualmente, o orçamento da organização é composto por contribuições obrigatórias (menos de 20%) e contribuições voluntárias (80%), muitas vezes direcionadas a projetos específicos. A criação de uma Fundação da OMS, em 2020, aumentou a capacidade de captação de recursos de empresas e filantropos, fortalecendo a autonomia financeira da organização. Em 2024, a OMS arrecadou US$ 3,8 bilhões de países como Austrália, Indonésia e Espanha, que representa cerca de 50% do seu orçamento anual.

O BRICS+ (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul e novos membros) também se destaca como potencial aliado da OMS. Em um cenário sem os EUA, o peso econômico e político do bloco pode oferecer suporte financeiro significativo, promovendo colaborações e diversificando as fontes de recursos da OMS. Nesse sentido, a China emerge como um ator estratégico, disposto a ampliar seu financiamento e influência dentro da OMS. Levando isso em consideração, talvez a anunciada saída dos EUA seja um blefe ou um tiro no pé.

Sempre é bom lembrar que os microrganismos e as doenças infecciosas não necessitam de passaporte ou visto para ingressarem em qualquer local do mundo, como ficou evidente durante a pandemia de COVID-19. Pensar que muros imaginários ou concretos são capazes de conter essas doenças é uma ilusão perigosa.

A saída dos EUA da OMS representa um desafio, mas também será uma oportunidade. A busca por alternativas, como exemplificado pelo DeepSeek no campo da inovação tecnológica, reforça que novos atores e abordagens podem ser fundamentais para enfrentar os desafios da saúde global de forma mais ágil, independente e eficaz.

*Professor Titular da Universidade Federal do Rio Grande – FURG