ARTIGO – EM BUSCA DE PAULO

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EM BUSCA DE PAULO

Por Clayton Rocha

Roma – Giovanni Baptista Montini, o Papa Paulo VI,  fiel devoto do Apóstolo dos Gentios, nasceu  nas proximidades de Bréscia, em 26 de setembro de 1897, e foi eleito Pontífice em 21 de junho de 1963. Foi o primeiro Papa a viajar para diferentes partes do mundo, tendo ido à Terra Santa, a Bombaim, Bogotá, Fátima, em Portugal;  Genebra e África. Em 1965, perante a Assembléia da ONU, em Nova Iorque, pronunciou um discurso histórico. Visitou o Extremo Oriente. Ficou conhecido  como o Papa peregrino, tendo sido notável diplomata e um dos homens mais cultos da Igreja. Seus passos seriam  seguidos mais tarde  por um  jovem Bispo de Cracóvia  que ele, do alto de sua percepção,  chamara a Roma para a execução de missões especiais no Vaticano.

A data de aniversário do Papa Montini, associada ao seu admirável brilho pessoal e à sua profunda devoção ao Apóstolo Paulo me cativaram. E seu pontificado de 15 anos,  ocorrido  durante o esplendoroso período de minha adolescência, – quando a própria fé costuma ser posta  em dúvida por aqueles  que acham que tudo podem, – ainda vive intensamente em minhas melhores  lembranças. Depois dele, vieram João Paulo I, num curtíssimo período que apenas lhe permitiu abrir um largo sorriso para o mundo,  e João Paulo II, o Grande, um  peregrino que durante mais de duas décadas e meia construiu sua própria marca. E muito especialmente no Brasil, por ter sido, talvez, o mais brasileiro de todos os Papas, na medida em que soube conquistar, de forma espontânea, por ocasião de suas  quatro longas visitas ao país, a alcunha de João de Deus. Dentre os inúmeros sinais que soube deixar em solo brasileiro, por ele tantas vezes beijado, ainda é possível ouvir  duas de suas falas, uma delas  lá  na rótula do Papa, em Porto Alegre, através daquele inesquecível “Ucho, Ucho, Ucho, o Papa é gaúcho!”, e posteriormente no estádio do  Maracanã, em 1997, quando disse “Se Deus é brasileiro, o Papa é carioca!”.

Agora, neste alvorecer do século, após significativo  período de Sede Vacante, virá o nosso  265º Pontífice, fortalecido certamente pela unidade da Igreja, e beneficiado pela imagem forte de um Papa que uniu o mundo em torno de sua liderança e de seu carisma incomuns.

Por todas estas razões, num mundo embrutecido pela violência e pela ausência de afeto, eu  aguardarei o primeiro Papa a ser eleito  no século XXI  meditando sobre a Caridade, que é o resumo de todo o cristianismo. E também  ciente  de que a verdadeira religião ensina, eleva, edifica, porém não ameaça.  A infinita bondade de Deus não pode ser clava mortal para os pecadores.

João Paulo, o Grande, outro seguidor do Apóstolo Paulo,  mostrou-nos, mesmo durante sua agonia, o valor da serenidade espiritual. Em todas as suas horas, sobretudo no atentado de 13 de maio de 1981 e, mais tarde,  durante a doença que o atingiu por mais de uma década, ele ensinou-nos  que os espíritos tranquilos não se confundem nem se atemorizam, continuam em seu ritmo  próprio, na ventura ou na desgraça, como os relógios durante as tempestades.

Hoje, os ponteiros do tempo são vistos lá no alto da grande sede da Igreja,  em momento de calmaria e de voto de silêncio adotado  pelo Colégio de Cardeais. Enquanto espero, busco dentre as imagens dos apóstolos, o vulto maior de Paulo, seus sentimentos e suas percepções, sua conversão na estrada de Damasco, e toda a verdade que acabara de descobrir, além de seu  pleno envolvimento na fé cristã.

São Paulo  percebeu que o sentido da vida e a consciência da individualidade são aumentados dez vezes pela ação do Espírito Santo.  Mente e coração se inundam de uma luz extraordinária, todas as dificuldades e ansiedades são aliviadas imediatamente e diluídas numa calma sublime, cheia de alegria e esperança harmoniosas. E Dostoievski, que narra sua experiência própria,  acrescenta que esses brilhos e clarões da mais alta sensação de vida e autoconsciência têm a mais sublime forma de existência.

Para o escritor russo, por este momento a pessoa devia dar até a vida inteira, porquanto é ele o cume da harmonia e da beleza e proporciona um sentimento, até então desconhecido e inesperado, de perfeição, de ajustamento, de paz e de piedosa absorção extática, na mais alta síntese da vida.

Imaginando um outro Paulo no grande balcão da Basílica de Pedro, aquele que seria o sétimo Paulo, –  a inspirar-se no gigante do cristianismo, – minhas buscas e meus devaneios talvez estejam elegendo  um modelo, nutrindo  uma expectativa, escolhendo  um caminho, e  olhando para o céu romano em  busca daquele  que é o horizonte mais extenso, por  tratar-se do horizonte da esperança.

E que esse Papa,  que há de vir, traga consigo um coração reto, porque este é o primeiro órgão da verdade. Além de caminho único através do qual,  sob o benefício da fé, haveremos  de encontrar uma claridade capaz de desfazer todas as nossas sombras interiores. Que assim seja.