ARTIGO – E O CAVALO PASSOU ENCILHADO

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E O CAVALO PASSOU ENCILHADO

Por Paulo Gastal Neto

Eu estava na sala. Há alguém, aqui nesta mesa, pelo qual o cavalo já passou encilhado?  Sinval Guazzelli, logo depois de ter ouvido a pergunta do jornalista José Ricardo Castro, apontou com o dedo, demoradamente, para Clayton Rocha. E todos quiseram saber. E o ex-Governador contou em detalhes.

No início dos anos 80 tudo estava acertado: Tancredo Neves, Governador de Minas Gerais, Presidente nacional do PP (Partido Popular) preparava a sua candidatura à Presidência da  República. E Guazzelli, Presidente do PP no RS, era o homem de confiança e figura chave do projeto de Tancredo. Depois de três reuniões, uma em Porto Alegre, no apartamento do Governador do RS, e outras duas em Pelotas, foram definidos nomes e a  estratégia do PP no Estado:  Clayton Rocha e Gilberto Gastal, escolhidos por Guazzelli, iriam, num jatinho,  à fazenda de Olavo Setúbal, no interior de São Paulo, para uma reunião com Tancredo de Almeida Neves. Na pauta com o Governador de Minas:  candidaturas no RS, fortalecimento do PP em Pelotas e interior do RS, e programa de divulgação ( escolha de  porta-vozes) do PP no país. Clayton poderia escolher livremente: ou seria candidato, ou seria Presidente do PP em Pelotas, ou seria “porta-voz”… próximo a Tancredo.

Guazzelli, ex-Governador gaúcho, disse que falou tanto sobre a figura de  Clayton Rocha a Tancredo Neves que o Governador mineiro quis conhecê-lo. Um jatinho chegou a ser colocado à disposição do jornalista e de Gilberto Gastal, advogado pelotense e também um nome preferencial no RS para altas funções políticas. Corria o ano de 1983, e ninguém poderia imaginar o que a história política do Brasil haveria de registrar para os próximos dois anos:  Tancredo eleito Presidente, Tancredo doente, Antonio Britto, (um jornalista gaúcho que aceitou ser o porta-voz) anunciando a morte de Tancredo, e o Presidente eleito subindo a rampa do Palácio do Planalto…morto.

Em meio a tudo isso, algumas ironias: Cândido Norberto, bageense, cidade onde Britto foi criado, concentrou-se, por inteiro, durante sua carreira, em dois nomes de jornalistas do RS que admira muito e pelos quais têm profunda amizade:  Antonio Britto e Clayton Rocha. Ajudou a levar Britto para a Imprensa de Porto Alegre e tentou o mesmo com Clayton Rocha. Num primeiro momento, ele e Clayton chegaram a trabalhar juntos na Copa da Argentina de 1978 e nas duas sucessões dos Papas, em Roma, naquele mesmo ano. A amizade se solidificou durante dois meses, vividos no dia a dia de Buenos Aires e de Roma.

Ao conquistar a amizade de Tito Stagno, dirigente da Rádio e Televisão Italiana, em Roma, (RAI), Clayton Rocha cresceu em prestígio junto ao seu amigo Cândido Norberto. O jornalista italiano era vizinho de porta e amigo pessoal de Aldo Moro, um dos maiores líderes da Itália. “Você tem sorte, tem estrela na testa”, confidenciou-lhe o jornalista Cândido Norberto, que em artigo sobre Clayton Rocha, publicado em Zero Hora, afirma ser este “o jornalista mais talentoso e criativo que conheceu em toda a sua carreira!”

Sinval Guazzelli, duas vêzes Governador do RS, Deputado Federal, Ministro, Presidente de Banco, Presidente de partido político, fez a sua parte. E Cândido Norberto fez o que pode. Não conseguiram. Clayton Rocha continuou viajando pelos quatro cantos do mundo mas tendo sempre Pelotas como a sua base. E não conheceu Tancredo. Porque não quis fazer política. Razão suficiente para que o ex-Governador viva a dizer, sempre que perguntado, que um cavalo enviado por Tancredo Neves  passou, sim, encilhado por perto de Clayton Rocha, sem que esse quisesse montá-lo.

E um cavalo é capaz de passar encilhado duas vezes? perguntou José Ricardo Castro. Pode, respondeu Guazzelli. E se limitou a um outro exemplo: morto Ayrton Senna em Ímola, uma carta pessoal de Neyde Senna da Silva designou Clayton Rocha como o representante da família Senna, (que vivia então o auge de seu prestígio mundial) em solenidades oficiais nas quais pronunciaria  discursos  “em nome de Milton, Neyde, Leonardo e Viviane Senna”, os pais e os irmãos do piloto tri-campeão mundial de F-1. Feitos os discursos, escritos com o coração, e que o aproximaram cada vez mais da família de Ayrton, ele não buscou benefícios. Talvez mais um cavalo tenha passado encilhado por ele, em maio de 1994,  ou quem sabe, talvez um carro de Fórmula Um tenha passado por ele, nesta segunda chance, para que iniciasse logo a sua carreira pública.

Mas Clayton Rocha, depois de idas e vindas a São Paulo e ao Japão, acabaria voltando para Pelotas, sempre Pelotas, eternamente Pelotas.