O ‘Memória do Treze Horas’ de hoje relembra mais uma passagem política do país vivida de perto pelo programa, ao longo dos seus 41 anos: a indicação de Nelson Marchezan à presidência da República. O texto de Clayton Rocha – ‘Memória do Treze’ – relembra esta passagem histórica.
DR TANCREDO QUERIA MARCHEZAN
Clayton Rocha.
A confirmação de uma interessante articulação política viria alguns anos depois, na pacata cidade de Santa Maria. A equipe Treze Horas instalara-se no Teatro 13 de maio, naquele setembro quente de 2001. Coube a Paulo Francisco Gastal Neto a tarefa de achar um bom entrevistado. E ele o trouxe, horas depois, para aquela entrevista que melhor não poderia ter sido, até mesmo porque brotara do acaso. O repórter e o político simplesmente tropeçaram um no outro, na praça central da cidade. Pois em questão de minutos ali estava ele diante de nós. O mesmo de sempre, alegre e descontraído, com seu vozeirão peculiar, nada mais nada menos do que Nélson Marchezan. Fui direto ao ponto.
Mas que se diga antes, e para facilitar a compreensão deste texto, qual foi a razão de meu entusiasmo em conversar francamente com Marchezan. Ocorre que atuei, durante algum tempo, a convite do jornalista Antonio Antunes Praxedes, Diretor da UPI no Brasil e Chefe de Imprensa do MEC, junto ao Gabinete da Ministra da Educação Esther Figueiredo Ferraz. A ex-Reitora da Universidade Mackenzie era encantadora, uma paulistana de família tradicional, elegante, discreta, respeitadíssima no país, e Ministra da Educação escolhida pelo Presidente Figueiredo. Nos tornamos bons amigos, e dela mereci toda sorte de atenções possíveis. Em modesta retribuição, ofereci-lhe, durante anos, preciosos pacotes de marmelada branca pelotense, que era o doce de sua preferência, pois a sobremesa, dizia sempre, lhe lembrava a marmelada da sua meninice, que era feita pela sua avó, num tempo em que S Paulo tinha boa produção de marmelos.
Pois foi em meio a papos altamente descontraídos, em seu Gabinete no MEC, que marcantes conversas povoaram, durante muitos anos, a minha fantasia de repórter político. Praxedes, o meu irmão mineiro, era homem de confiança da Ministra Esther e privava de um bom convívio com o Dr Tancredo. Sabia mais do que expressava, contido que era, mas aos amigos narrava episódios extraordinários. Numa dessas histórias, a figura central era um deputado do Rio Grande do Sul.
Tancredo de Almeida Neves, o candidato a Presidente da República, fixara-se no nome do gaúcho Nélson Marchezan para seu Vice-Presidente. Encontros entre ambos foram marcados, em lugares incertos e não sabidos, e jamais através do telefone.O candidato ao Palácio do Planalto era seguidor de uma máxima segundo a qual todo amigo tem um grande amigo, e no outro dia quarenta sabem.
Tancredo se encantara com a firmeza de caráter e a dignidade pessoal de Nélson Marchezan, enquanto este se entusiasmara com a habilidade político, a rapidez de raciocínio e a simplicidade do ex-Governador de Minas Gerais. As coisas caminhavam bem, as simpatias eram recíprocas, as conversas sempre agradáveis, mas tudo esbarrava na necessidade de uma conversa franca e definitiva com o Presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo. Todos temiam a reação do Presidente da República, dada a instabilidade emocional do Chefe do Governo. E o jeito era protelar, até quando fosse possível, até que se encontrasse naquele terceiro andar do Planalto um Figueiredo alegre e descontraído, sem a carranca, sem o mau humor, sem a explosão verbal, e aberto ao diálogo. Todos sabiam que essa seria uma combinação difícil. Pensou-se tanto nisso, que até o dia deveria ter um Sol escaldante, sem nenhum sinal de vento, como o Presidente apreciava.
Pois foi numa manhã luminosa do planalto central brasileiro, quando João Figueiredo estava em estado de graça, que a coragem tomou conta de todos, enquanto apenas um era escalado para a conversa, exatamente ele, o jovem líder do Governo Nélson Marchezan. Cuidados outros foram tomados para a ocasião. Até mesmo através de uma frase-chave que seria pronunciada, e que era um primor de celebração ao futuro! Presidente, diria Marchezan, com todo o cuidado do mundo, e bem ciente das dificuldades que se avizinhavam, “ eu posso ser um dos nossos no possível futuro Governo! ”. Da resposta de João Baptista Figueiredo, dando murros na mesa presidencial, e da indignação do mesmo diante daquela idéia, não há necessidade de falar. O seu não foi retumbante e definitivo, num dos maiores equívocos políticos do General- Presidente, até porque este abominava José Sarney e tinha pelo seu líder na Câmara uma estima quase paternal.
E foi em Santa Maria da Boca do Monte, já perto da morte traiçoeira que o colheria meses depois, mais precisamente no dia 11 de fevereiro de 2002, durante uma cavalgada em sua fazenda, que o correto e dinâmico ex-Presidente da Câmara dos Deputados me disse, com voz pausada: isso tudo é verdadeiro! E enquanto o Vice-Presidente José Sarney assumia a presidência da República, durante aquele calvário do Presidente eleito Tancredo Neves, eu, num outro prédio, num outro momento, distante de todos, e quase anonimamente, me reapresentava à Procuradoria Jurídica do Banco do Brasil para exercer a minha função de procurador jurídico. Assim é a política, completara Marchezan. Ela, a política – e o próprio Dr Tancredo gostava da imagem – é como as nuvens no céu, sempre em constantes deslocamentos. Mudando de cor, de forma e de tamanho, ora num lugar, ora noutro. Para tentar compreende-la, dizia ele, é preciso ter os pés muito firmes no chão, além da capacidade de saber olhar para o alto e entender o movimento das nuvens. Ao que parece, diante daquele céu radiante do planalto central brasileiro, na hora em que poderia, sem o saber, ter ungido Marchezan à Presidência da República, um Figueiredo casca-grossa não teve esse tipo de poesia, de visão do futuro e de matreirice política, tão típica dos mineiros.