Um velho trauma econômico
Henrique Pires*
A filial do Banco Pelotense na cidade de São Borja foi inaugurada em agosto de 1912.
No início da década de 1920, fazia todas as transações bancárias. Tinha um contador, um tesoureiro, quatro escriturários e um gerente extremamente respeitado, o Coronel Antônio Ferreira Sarmanho, pai da jovem Darcy, já casada com um também jovem e promissor advogado da cidade: Getúlio Dornelles Vargas.
Sarmanho, além de gerente, era forte estancieiro. Dono do banco.
Melhor dizendo: mandou construir com seus recursos pessoais a sede local da instituição, na Rua Candido Falcão e a alugou ao Pelotense, que ele mesmo gerenciava.
Não sendo dono do banco, tendo bastante dinheiro, zelando pela chave do cofre e sendo o dono do portentoso prédio, não faltava quem achasse naquelas bandas que o Banco Pelotense era dele.
Não era.
Quando o Pelotense – ameaçado por uma conjuntura econômica adversa – determinou que os empréstimos de longo prazo fossem liquidados de imediato (a lei permitia), Sarmanho viu-se em maus lençóis: como era gerente, tivera a possibilidade de financiar para si próprio, grandes quantias, que pagava no longo prazo, conforme os contratos que todos faziam.
A diretoria do Banco exigiu quitação rápida de todas as prestações dos longos empréstimos. A regra valia para todos. Não abriram exceção para ele.
Não dava tempo de vender campos e gados.
De surpresa, ele que financiara tudo o que pudera, foi chamado a pagar a vista tudo o que devia. Era uma fortuna, cujas prestações certamente honraria, mantidas as condições do antigo contrato.
Desesperado, sem ter onde buscar ajuda financeira frente ao soçobrar iminente de sua reputação e ainda tendo a tarefa absurda de mandar executar – como gerente, via Banco – amigos pecuaristas que deviam muito menos que ele, Sarmanho atentou contra a própria vida.
Anos depois, quando o Banco Pelotense quebrou, em janeiro de 1931, foi mais fácil para grande parte dos atingidos pela quebra atribuir culpa a uma falta de ajuda do agora Presidente Getúlio Vargas, que estaria promovendo uma desforra por conta do suicídio de seu sogro-gerente.
Afinal, como entender que a bancarrota da Bolsa de Nova York, em outubro 1929, quebraria um banco sólido cuja sede era em Pelotas, no sul do Brasil?
Isso nem cogitavam.
Não sabiam eles que – poucos dias depois da quebra do Pelotense, do outro lado do mundo e por razões parecidas – quebraria o tremendamente forte Banco Creditanstalt, o maior e mais sólido banco da Áustria.
Entre 1929 e 1932, nove mil instituições bancárias e 85 mil empresas decretaram falência, num efeito dominó que derrubou peças no mundo inteiro, apenas demorando um pouquinho mais de tempo para atingir aquelas que estavam mais distantes, nas pontas. Getúlio fora Ministro da Fazenda do Brasil pouco antes de assumir o governo do Estado do RS. Naqueles dias, era, portanto, uma das pessoas mais bem informadas sobre conjuntura econômica e, justamente por isso, criou acertadamente, em 1928, o Banco do Estado do Rio Grande do Sul.
Até então, os ordenados das professoras, dos brigadianos, dos ferroviários e demais funcionários públicos estaduais, eram pagos via Banco Pelotense que, de uma hora para outra, lá em 28, ficou sem aquelas inúmeras contas que lhe davam a liquidez, capilarizada pelas diversas agências espalhadas pelo Estado.
Mas, o Banco Pelotense era rico, tinha grande quantidade de imóveis – só no Estado do Paraná era dono de mais de 100 mil hectares de campo – e resistiu, embora não tenha previsto o impacto da conjugação de uma crise nacional relacionada à queda dos preços do café e da inesperada quebra norte-americana.
Teve o Banco Pelotense o mesmo problema do seu antigo gerente de São Borja: apesar de ter patrimônio, não deu tempo de vender e colocar dinheiro vivo nos caixas.
Quebrou.
O Banrisul, em seguida, assumiu muitas agências do Pelotense. Contratou antigos e experientes bancários que haviam ficado desempregados. Apesar dos problemas terem surgido em grande parte de Wall Street, a versão de que Getúlio simplesmente lavou as mãos foi a favorita dentre os afetados.
Ninguém lembrou que continuavam valendo os pressupostos da velha frase do senador Gaspar Silveira Martins, lá no fim do século XIX: “Qualquer governante pode muito. Mas nenhum deles pode tudo”.
*Henrique Pires é jornalista e historiador.