ARTIGO – SOFRE, MAS DEPRESSA

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SOFRE, MAS DEPRESSA

Pablo Rodrigues*

Este texto é um adiamento. Um engasgo de aflição desde a mensagem do Clayton Rocha às 23h13min do dia 19 de novembro: “Pablo, Pablo: o Cabral acaba de falecer”.

Clayton, Cabral e eu estivemos juntos na cobertura da eleição do papa Francisco, em um simbólico 13/03/13. Era fina a chuva que caía sobre a praça de São Pedro, no Vaticano, naquele entardecer. Em fumaça – branca, na chaminé da Capela Sistina –, a história, generosa, derramava-se à nossa frente.

Éramos três pelotenses, vindos também do fim do mundo, como o papa. Três jornalistas. Três amigos. Três pessoas com a vida a partir dali atrelada (inexplicável e maravilhosamente) pelo extraordinário: a certeza profunda de se saber no lugar certo, na hora certa e com as pessoas certas – entre tantas outras, aquelas, exatas: Cabral e Clayton.

Com o correr dos dias a embaralhar tudo, não percebia tanto: Cabral sempre foi presença amorosa. De se importar, verdadeiramente. De querer me animar quando as agruras do jornalismo – e são muitas – batiam à porta da Redação e faziam morada sobre minha mesa, em minha vida. Em um desses momentos, nasceu o Música na Redação. Ideia e execução do Cabral para aliviar a tensão no ambiente de trabalho. Solon Silva, Fábio Saraiva e vários outros músicos estiveram conosco.

Cabral tinha algo de franciscano. Procurava mais amar do que ser amado. Dar muito mais do que receber. Consolar mais do que ser consolado. Ao saber que um colega havia ficado provisoriamente sem ter onde morar com a mulher grávida depois de uma enchente em Pelotas, não vacilou: emprestou o próprio apartamento. Desapegado, precisou procurar lugar para dormir. Se isso não é amar, não sei o que é.

Em um período tão tortuoso da história, com tantas perdas e declarações absurdas, lembrar do Cabral é dever de civilidade e humanidade para quem o conheceu. Tem muito a ensinar quem como ele soube mais construir pontes do que implodi-las. Tem muito a ensinar quem como ele soube olhar com delicadeza e esperança para a juventude. Tem muito a ensinar quem como ele não mediu esforços para tornar mais leve e alegre a vida do outro.

Eu só sei que, olhos cheios e peito apertado, vivo ainda no tempo do luto. Cabral foi para mim um pouco pai, amigo, colega de profissão. Insubstituível. Deixa um rombo enorme. Como caminhar pelo centro de Pelotas e não topar com ele saindo da Galeria Zabaleta, abrindo os braços e gritando de longe?

Sem exageros: sofro, e sei que somos muitos a sofrer.

Recorro à literatura, a Guimarães Rosa, que me anima:

“Refresca teu coração. Sofre, sofre, depressa, que é para as alegrias novas poderem vir”.

Apressado, sofro.

O livro já está quase aí. Eu quero o meu.

E vou mandar mensagem:

“Clayton, Clayton: o Cabral acaba de renascer”

Tenho fome. Tenho sede. Tenho saudade.

Obrigado por tanto, Cabralzinho!

*Jornalista, ex-editor-chefe do Diário Popular e (mais importante) amigo do Cabral