ARTIGO – OS INDECIFRÁVEIS MISTÉRIOS DA CHINA

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Por Clayton Rocha

Um simpático monge budista de vestes alaranjadas lê sobre Mao Tse Tung na sala de espera  do velho Aeroporto de Pequim. Ele aguarda conosco o embarque do voo da China Air com destino a Bangkok,  na Tailândia. Desconfio que ele está cheio de dúvidas, assim como eu. Talvez se pergunte, nestas horas que antecedem seu retorno ao antigo Império do Sião, sobre os mistérios da China e de seu povo. Entre as suas surpresas, haverá de constar a descoberta dessas muitas “nações” que existem dentro da China: o Tibet, as minorias mongóis, turcas e cazaques, que somam algo como 55 grupos diferentes, ou 60 milhões de chineses não tão chineses assim. Em sintonia com forças outras que certamente lhe  asseguram paz interior, ninguém melhor do que um monge para assimilar a infinita  paciência e  tolerância dos chineses. E com os seus objetivos de vida projetados para o  plano eterno, é dele ainda a tarefa de compreender  o valor de um velho, no país onde se diz que a vida começa aos sessenta anos. Haverá ainda de meditar sobre a  postura pacífica dos chineses, exposta na  própria fisionomia do povo.

Ele deve estar se perguntando sobre o valor de um só indivíduo, numa China  de 1 bilhão e 300 milhões de almas, e onde nascem 200 mil novos chineses por dia. Ele, que lê em inglês, numa publicação tailandesa, talvez esteja tentando entender o mistério chinês, o sucesso de Mao, a passividade do povo, a força da farda, a voz do oficial que eletriza a multidão, esse estonteante culto à personalidade dos líderes, dos mitos, dos governantes chineses. E  deve estar recebendo  as últimas boas notícias locais: hoje, com a reanexação de Hong Kong, a China pulou do décimo primeiro lugar para o quarto lugar no ranking mundial do comércio exterior, ultrapassando inclusive a própria Inglaterra.

Vale acrescentar que, a esta altura, o “ Grande  Império do Meio do Mundo”  já domina o mercado mundial de brinquedos, calçados e tecidos, devendo converter-se, em vinte anos, na terceira maior economia do mundo, atrás apenas do Japão e dos Estados Unidos.

Em nome destes dados, desconfio que o monge da Tailândia não limitará as suas observações às questões religiosas quando descer do avião em “Ko Samui”, na encantadora “Veneza do oriente”. Ele terá outras coisas bem interessantes a dizer aos seus colegas do Gran Palace de Bangkok , em cujo templo ele estabeleceu o  seu berço,  exercitando ali todas  as suas  crenças e depositando em Buda todas as suas esperanças.

Durante essa nossa espera, aqui no Aeroporto de Pequim, o jornalista Roberto Engelbrecht conversa em inglês com o monge budista, e lhe diz que sua irmã, Margaret, que reside no Brasil, é pastora protestante. Exibindo então uma postura ecumênica, ele  lembra que o mundo carece de crenças. E tem um brilho nos olhos quando descreve a religiosidade dos 60 milhões de tailandeses, dos quais 95% são budistas que vivem, em sua maioria, em 58.600 aldeias. A Tailândia tem o perfume dos incensos em todo o seu território de 514.000 Kms.2, área equivalente à França, onde 150.000 monges professam a sua fé em 18.000 templos budistas.  Depois de fazer esse relato e de pedir informações sobre o Brasil, ele extravasa alegria íntima  enquanto enche de medalhas e de imagens do Buda o bolso do casaco de meu companheiro de viagem.

Quando o Jumbo chinês corta os céus de Pequim em tarde de Sol, sobrevoando bosques,  plantações de bambú e uma interminável sucessão de montanhas e campos de arroz,  a voz de Antonio Rodrigues Júnior, Presidente da Fundação Macau, o filho de mãe chinesa  e de pai português,  que administra 5 bilhões de dólares por ano naquele território,  ainda ecoa em minha mente: – “ Deixem a China quieta. Não procurem entender a China. Ela é indecifrável. Tudo o que se disser dela, por maior que seja o tempo que se permaneça no país, não traduzirá os sentimentos chineses. Tenha cuidado ao escrever sobre a China, pois ela tem cinco mil anos de história e você pode estar sempre enganado com o que vê !  Não esqueça que a China é o maior país da Ásia e o terceiro do mundo. E que o  máximo  que se pode fazer é cutucá-la,  de vez em quando, para  saber se ela está bem.”

A comissária me oferece chá e eu faço então  um brinde silencioso à China. Terei cuidados ao falar sobre o que vi.  Pois que  sejam respeitados alguns dos  mistérios milenares que se escondem na mente humana chinesa do lado de cá desta Cortina de Bambú.  A China é forte, pode vergar às vezes, mas não cai. Ela é como os bambuzais, que se curvam aos ventos,  que  quase deitam  ao chão, mas não quebram. E  quando se pensa que caíram, eles voltam  em velocidade  impressionante  à sua posição de origem, à posição vertical. Até breve, Pequim!  Até que nos vejamos de novo pela quarta vez. Até o próximo chá. Porque, definitivamente, eu sei que volto. Eu quero ter um novo encontro com os teus fantasmas, lá perto da Grande Muralha, lá nas treze tumbas da Dinastia Ming, lá  naquele Templo ocupado pelas andorinhas, lá onde a gente colhe flores, lá onde a gente ouve o barulho do vento que passa por entre as montanhas, lá onde se jogam  moedas sobre os corpos dos Imperadores…..