“PANIFICAR” e “ROSEAR”, É PRECISO!
Dom Jacinto Bergmann*
A pandemia da COVID-19 abriu novas feridas e agravou outras. Entre essas últimas, até como primeira consequência, a falta de alimentação diária para muitas pessoas e famílias. A fome aumentou. A mendicância aflorou. As filas em busca do mínimo para salvar a fome viraram realidade.
Essa situação, do outro lado, fez sensibilizar mais a fraternidade: “É hora de ajudar os nossos irmãos necessitados!” Foram intensificadas as campanhas já comuns de doação de alimentos. Iniciaram, criativamente, outras formas de arrecadação de material alimentício. Não reconhecer esta sensibilidade fraternal seria uma injustiça.
Todos e, especialmente, os pobres precisam de alimento. Precisamos do pão, sim, mas será que não precisamos de “algo mais”, também? Será que não precisaríamos aprender, neste momento pandêmico, a dar junto com o pão este “algo mais” que dá sentido à vida. Pão e “algo mais” promovem a dignidade integral da pessoa humana, “criatura feita à imagem e semelhança de Deus”.
Nesse sentido, aqui, nos vem à lembrança a experiência do grande literato alemão, Rainer Maria Rilke (1875-1926), quando esteve morando um bom período em Paris, capital da França, e nos deixou por escrito: “Durante sua estadia em Paris, no seu passeio cotidiano, passava o poeta, acompanhado pela sua bela e jovem secretária, por uma mendiga. A mendiga sempre calada e imóvel recebia as esmolas das pessoas sem qualquer sinal de reconhecimento. O poeta, mesmo sob a admiração da sua bela e jovem secretária que sempre tirava uma moeda para dar à mendiga, ele não dava nada. Uma vez interrogado de maneira muito jeitosa pela bela e jovem secretária, ele respondeu: – ‘A gente deveria oferecer ao seu coração e não às suas mãos’. Num dos próximos dias apareceu o poeta com uma bela rosa. Logo pensou sua bela e jovem secretária: – ‘É para mim! Que graça!’ Mas o poeta depositou a rosa na mão da mendiga. Então aconteceu algo inédito: a mendiga colocou-se em pé, pegou na mão do poeta, beijou-a e saiu do lugar com a rosa na mão. Uma semana inteira a mendiga desapareceu; mas depois lá estava ela de novo, calada e imóvel como antes. Perguntou a bela e jovem secretária: – ‘De que coisa ela poderia ter vivido durante estes sete dias da semana?’ Respondeu o poeta: – ‘Ela viveu da rosa!’”
Viver do pão e da rosa: é o desejo mais profundo de toda a pessoa humana. O “pão da terra” e a “rosa do céu” são necessidades irrenunciáveis. E como devem estar presentes para termos uma humanidade digna e plena!
O “pão da terra” deve existir para todos. É uma injustiça que ele não chega à mesa de todos porque está mal distribuído. Será que a humanidade aprenderá, com a pandemia que está escarando a desigualdade nua e crua, que a falta do “pão da terra” na mesa de milhões e milhões, clama por “panificar” de maneira mais justa a família humana inteira, sem olhar raça e sem cor?
A “rosa do céu” é revelada para todos. É uma injustiça que ela não é oferecida e acolhida por todos, e mais, é tantas vezes é ignorada, relativizada, ridicularizada e até rejeitada. Será que a humanidade aprenderá, com a pandemia que está demonstrando o vazio, o ilusório e o trágico do ser humano, que a falta da “rosa do céu” nos inúmeros recônditos existenciais – pessoais, familiares e comunitários, clama por “rosear” de maneira mais fundamental a humanidade em Deus, Ele que é o “Alfa” e “Ômega” de tudo e de todos?
“PANIFICAR” e “ROSEAR”, É PRECISO!
*Arcebispo Metropolitano de Pelotas.