O Rinoceronte de Dürer
Pedro E. Almeida da Silva*
Em 1515, o artista alemão Albrecht Dürer produziu uma gravura de um rinoceronte. Mas há um detalhe curioso: ele nunca havia visto um rinoceronte de verdade. Baseou-se em descrições e relatos de terceiros para compor sua imagem. O resultado foi uma representação intrigante, com placas semelhantes a uma armadura, escamas e até um pequeno chifre sobre o dorso. Mesmo com esses erros, essa imagem foi tida como verdadeira por séculos na Europa, influenciando livros, estudos e a imaginação popular.
Esse episódio ilustra como, muitas vezes, nosso entendimento do mundo — e da própria ciência — pode ser moldado por informações incompletas ou até intencionalmente distorcidas. Mesmo quando há o desejo genuíno de buscar a verdade, a ausência de dados confiáveis, a fragilidade dos métodos utilizados ou como o conhecimento é transmitido podem gerar interpretações equivocadas, afastando o fato da realidade.
As vacinas, por exemplo, assim como o rinoceronte de Dürer, também são frequentemente compreendidas de maneira parcial ou incorreta pela população. Nesse caso, não bastaria ver a vacina: é necessário compreender seus fundamentos e o processo que leva à sua obtenção. As vacinas são desenvolvidas há mais de dois séculos e evoluíram com base em pesquisa, inovação e rigor científico — salvando milhões de vidas ao redor do mundo, sobretudo entre crianças e idosos. Ainda assim, elas permanecem pouco compreendidas por parte da sociedade, inclusive gerando resistência na sua utilização como método preventivo de doenças.
Essa dificuldade, mais do que refletir um suposto desinteresse por parte da população, evidencia a limitação em traduzir a linguagem técnico-científica em algo realmente acessível a todos. Durante a pandemia de COVID-19, isso ficou evidente: vacinas baseadas em RNA mensageiro, vetor viral e vírus inativado foram desenvolvidas rapidamente, o que gerou insegurança em muitos e abriu espaço para o surgimento de boatos e movimentos ideológicos contrários a saúde pública e proteção coletiva. A ciência, embora tenha respondido com rapidez e segurança, falhou em mostrar que essa agilidade só foi possível graças ao acúmulo de conhecimento científico construído ao longo de décadas de muito estudo, experimentos e ensaios clínicos.
Assim como o rinoceronte de Dürer despertou curiosidade mesmo com seus erros, os debates sobre ciência e vacinas em particular, podem abrir espaço para o diálogo e aprendizado coletivo. A ciência é um processo dinâmico — que testa, erra, corrige e avança — e é fundamental que a sociedade acompanhe esse movimento.
Para isso, é essencial que cientistas, profissionais da saúde, educadores, jornalistas, comunicadores e gestores públicos desenvolvam e aprimorem a capacidade de comunicar ciência com clareza, usando uma linguagem acessível e transparente.
*Professor Titular da Universidade Federal do Rio Grande – FURG