O ‘HARAQUIRI’ DA DEMOCRACIA
Ivon Carrico*
Durante o período feudal, no Japão, era muito comum a prática do ‘haraquiri’, quando da conduta ilícita de alguém. Em lugar de se submeter à desonra pública a pessoa cometia suicídio mediante uma profunda incisão em seu abdome para, com isso, expiar e remir a sua culpa.
Já, hoje, por estas latitudes o cometimento de outras tantas iniquidades está normalizado, tanto no cotidiano social, como na governança. Essas ocorrências têm um longo e largo viés cultural nesta conjectura, daí a dificuldade da sua extirpação.
A (re)construção da democracia no Brasil, após 21 anos de Regime Militar, foi um duro exercício, também, de expiação. Esperava-se, principalmente – após a Constituição Federal de 1988, com o restabelecimento do Estado Democrático de Direito – um país mais justo e equânime. Ledo engano.
Corporações incrustadas dentro e fora do Estado brasileiro surfam e navegam em um verdadeiro mar de privilégios. Com benefícios, é claro, para poucos.
Enquanto renúncias fiscais e desonerações fazem a farra do capital, organizações corporativas, por sua vez, dentro do Estado, agem para obter incontáveis vantagens salariais e benefícios para os seus.
Por isso, assistimos – com frequência – a veiculação dessas iniquidades nos 3 níveis e esferas do Poder, com destaque para o Judiciário, os Legislativos, os Tribunais de Conta, as Estatais e as ditas Carreiras de Estado. Sim, e o aparato policial e militar, também.
Não há limites e, sequer, pudor. Para assegurar, ou melhor, justificar essas excrescências o sofisma é a regra. A democracia existe quando temos governos para todos. Não para uns poucos.
Há tempos que a democracia vem sendo aqui escamoteada. De vergonha, estendida no chão. Um verdadeiro haraquiri para expiar sua culpa nessa desordem. Mas, enfim,… que não nos falte a esperança em 2025. Feliz Ano Novo!!
*Ivon Carrico é pelotense, mora em Brasília, atuando na administração há quase 50 anos. Atuou na ANVISA e na Presidência da República. Brasília – 31/12/2024