Memórias de um recruta encrenqueiro
Carlos Eduardo Behrensdorf*
Saibam todos quantos este Certificado virem que Eu, Neptuno, Rei de todos os oceanos, mares, baías, enseadas, canais varridos ou não, benignamente resolvi conceder o batismo equatorial ao soldado Carlos E. Beherensdorf que em minha alta presença teve lugar em 6/8/62 a bordo do valente Transporte de Tropas Soares Dutra, meu barco predileto. Para constar mandei lavrar este certificado. Por Neptuno, Rei, Thomaz Alves Filho, CMG, Comandante.
Com a água do Atlântico acumulada por jatos de mangueiras sobre um fundo de lona, formou-se no convés do navio uma piscina improvisada. Nela batizaram os seguintes soldados nascidos em Pelotas ou descendentes de famílias que adotaram a cidade como sua: Bruno Luiz Sastre Seus, Carlos Alberto Granada Afonso, Carlos Eduardo Behrensdorf, Francisco de Paula dos Santos Silva, Hélio Ferreira Lopes, João Carlos Roldão Peixoto, José Carlos Dias Isy Perceu, Luiz Carlos Zanetti e Nei Carvalho Feijó.
Também nascidos ou ligados à Princesa do Sul eram o major Cid Scarone Vieira; o 1º tenente José Joaquim Corrêa da Silva; o 2º tenente Wantuil Ferreira de Camargo; os terceiros sargentos Edilson Souza Caldeira e Ariano de Paiva Rodeghiero e o cabo Lourenço José Vieira Faria.
Os outros eram “os outros” vindos de vários estados. Muitos sotaques e cores de pele que aos poucos se misturaram. O idioma brasileiro é uma língua comum com variações. Faz parte do DNA da raça em formação. Somos parte da placenta. Incorporados na Vila Militar, no Rio de Janeiro, ao 2° Regimento de Infantaria (2º RI) – o Dois de Ouro, Regimento dos Pracinhas – cravamos a bandeirinha com direito a farda, rango, banho frio e beliche.
Até que o TT Soares Dutra virasse a proa para o outro lado do Oceano Atlântico, o treinamento era pesado “para o bom desempenho da missão” como gritavam os sargentos da 7ª Companhia de Fronteira do 11° Contingente do Batalhão Suez. Para complicar, na Vila Militar nuvens de mosquitinhos nos atacavam – ao mesmo tempo em que tentavam entrar em nossos narizes e ouvidos – provocando a maior coceira. Eram os “lacerdinhas”. Nunca vi um apelido tão bem aplicado. Para relaxar, marchávamos sob comando gritado: “Um… dois”, “Olha pra frente”, “Peito pra fora, porra!”, “Isso não é desfile de normalistas!”, “Vocês são soldados do Dois de Ouro!” Sargentos eram observados por tenentes, que por sua vez tinham sobre eles os olhares inquisidores de capitães e majores.
Segue…
*Jornalista