FAÍSCA DIVINA
Jesus e o seu Abbá – no Evangelho dominical
Dom Jacinto Bergmann*
Abbá, quem peregrina não fica parado. E quem não fica parado está sempre em saída. Por isso, também deixa espaço para a aproximação das pessoas. Não é do seu agrado o isolamento. É do seu agrado, a abertura ao outro. Nós, Abbá, não somos isolados, mas abertos: eu e tu, com o nosso Espírito Santo somos um para o outro, a tal ponto que somos um. Nós somamos: eu mais tu igual a nós. Assim, ó Abbá, nós criamos o gênero humano à “nossa imagem e semelhança”, para que como nós – “imagem” – sejam abertos ao outro, e, para que como nós – “semelhança” – vão em saída ao encontro do outro. Que a humanidade sempre saiba somar: eu mais tu igual a nós. Infelizmente a humanidade, à nossa revelia, ainda soma: eu mais eu igual a eu.
Pois, ó Abbá, na minha peregrinação na Galileia, alguns fariseus se aproximaram de mim. Deixei-os aproximar, estava aberto, mesmo sabendo que queriam me colocar à prova. Queriam minha posição em relação ao relacionamento entre o homem e a mulher. Para mim estava clara a finalidade grandiosa quando criamos o homem e a mulher: que o amor entre o homem e a mulher fosse sempre o reflexo mais transparente do nosso amor para com a humanidade. A união conjugal, por isso, é por nós abençoada, é selada por um sacramento e é indissolúvel em sua raiz.
Contudo, deixei os fariseus se aproximarem de mim e, mesmo me colocando à prova, me perguntaram: “É permitido ao homem divorciar-se de sua mulher?” Usando a forma sapiencial israelita, respondi com uma pergunta: “O que Moisés vos ordenou?” Os fariseus responderam: “Moisés permitiu escrever uma certidão de divórcio e despedi-la”. A minha resposta, agora, foi demonstrar a grandeza da união matrimonial assim concebida pela nossa criação: “Foi por causa da dureza do vosso coração que Moisés vos escreveu este mandamento. No entanto, desde o começo da criação, Deus os fez homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e os dois serão uma só carne. Assim, já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu o homem não separa!“
Abbá, a união conjugal é tão grande, que tudo deverá ser feito pelo gênero humano para torná-la sempre o ideal: reflexo do nosso amor pela humanidade. Trata-se de proclamar a “amoris letitiae” – “alegria do amor”. Está em jogo o amor! Jamais podemos banalizar o amor. Já afirmavam os cantores do livro bíblico “Cântico dos Cânticos”, alguns séculos atrás: “O amor conjugal é faísca de Deus… O amor é forte como a morte… Quisesse alguém dar tudo o que tem para comprar o amor, seria tratado com desprezo”.
Chegamos, ó Abbá, os discípulos e eu, em “casa”, e eles novamente fizeram perguntas sobre o mesmo assunto. Tive que reafirmar a grandeza do amor conjugal e não abrir brechas fáceis para enfraquecê-lo e até destruí-lo. Com uma linguagem clara afirmei: “Quem se divorciar de sua mulher e casar com outra, cometerá adultério contra a primeira. E se a mulher se divorciar do seu marido e casar com outro, cometerá adultério“. Mesmo sabendo das “cruzes” que acompanham os casais no seu amor mútuo, precisei fazer ver aos meus discípulos que me seguiam, que é preciso sempre acreditar no amor entre o homem e a mulher. É preciso sempre construir o amor entre o homem e mulher. É preciso sempre santificar o amor entre o homem e a mulher. É preciso sempre tornar o amor entre o homem e a mulher uma Boa-Nova de felicidade! O amor conjugal não é facilidade, mas felicidade!
Ó Abbá, eu Te peço, que a humanidade de todos os tempos acredite, construa, santifique o amor conjugal. Ele é nossa faísca divina e nossa Boa-Nova de felicidade para hoje e sempre! Amém.
*Dom Jacinto Bergmann, Arcebispo de Pelotas