ARTIGO – EMENDAS PARLAMENTARES, PRIORIDADES COLETIVAS OU ELEITOREIRAS

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Emendas Parlamentares, Prioridades Coletivas ou Eleitoreiras

Pedro E. Almeida da Silva*

As emendas parlamentares foram concebidas como instrumentos para permitir que legisladores direcionem parte dos recursos orçamentários a temas e regiões específicas, atendendo a demandas locais e setoriais. Embora representem uma interferência no poder executivo, responsável pela gestão orçamentária do país, a dimensão territorial, as diferenças e as desigualdades regionais podem justificar que uma parcela do orçamento seja direcionada pelo legislativo. No entanto, na prática, as emendas frequentemente são alvo de controvérsias, marcadas pela falta de transparência e pela ausência de consulta à população na definição das prioridades.

Nesse contexto, as emendas parlamentares assumem um caráter predominantemente representativo, enquanto a participação cidadã no processo de decisão permanece praticamente inexistente. Casos como a destinação de recursos para festas de fim de ano ou o apoio a clubes recreativos, como observado recentemente em emendas de um deputado eleito pela nossa região, evidenciam distorções gritantes nas prioridades públicas. Em um cenário local marcado por graves deficiências na infraestrutura, na saúde e na educação, é inadmissível que recursos públicos sejam alocados para a festa de réveillon ou para entidades sociais, enquanto demandas essenciais são negligenciadas.

O problema se agrava quando se verifica que a soma desses valores destinados a fins supérfluos é quase o dobro do que foi reservado pelo mesmo parlamentar à Santa Casa da cidade. Será que a população precisa de mais fogos na beira da praia ou de mais leitos, medicamentos e infraestrutura em nossos hospitais? Esses atos eleitoreiros, que menosprezam a capacidade crítica da população, utilizam recursos públicos escassos para promover a visibilidade político-eleitoral, em total descompasso com as reais necessidades da população.

Embora tenham ocorrido avanços na transparência, como a disponibilização de dados pelo Portal da Transparência, ainda faltam mecanismos eficazes que permitam à população participar diretamente na definição das emendas e coibir seu uso inadequado. Fortalecer a participação cidadã na priorização orçamentária é fundamental para alinhar as decisões políticas às necessidades concretas da sociedade.

A adoção de modelos de participação popular, como o orçamento participativo, e a implementação de consultas públicas nos níveis federal, estadual e municipal são medidas essenciais para tornar o processo mais inclusivo, legítimo e transparente. Apenas com maior envolvimento da sociedade será possível garantir que os recursos públicos sejam utilizados de forma ética e eficiente, promovendo o bem-estar coletivo e o desenvolvimento sustentável das comunidades.

*Professor Titular de Microbiologia – Universidade Federal do Rio Grande – FURG -pedrefurg@gmail.com