DEUS “DESCENDIT” DO CÉU
Dom Jacinto Bergmann*
O nascimento de Jesus na estrebaria deve ser entendido como luz que se derrama do céu através da escuridão do mundo e faz a manjedoura mergulhar em uma luz intensa e cálida. A manjedoura real é nada graciosa, como muitas vezes o fazem as representações folclóricas da manjedoura.
Não há nada de idílico. O decisivo no mistério do Natal é que Deus desceu ao nosso mundo, até a pobreza de um estábulo. A um lugar sujo, que cheira a esterco de animal, onde o vento açoita pelas frestas das tábuas e o teto mal consegue deter a chuva. Certa vez, o grande psicólogo, C.G.Jung, disse que “deveríamos sempre considerar que Jesus nasceu em um estábulo e não em um palácio”. O reino de Deus, irrompido em Jesus nascido na manjedoura de um estábulo, começa nas coisas pequenas; sua força é o amor e não o poder. E, porque ele começa bem de baixo, pode chegar até minha escuridão e pobreza, sem que eu deva me envergonhar por isso diante dele. À luz do seu amor, posso também expor tudo aquilo que, de outra sorte, eu não gostaria de mostrar a ninguém.
Em suas composições do credo, o gênio da música clássica, W.A.Mozart, enfatiza e repete sempre de novo a palavra “descendit” (isto é, “ele desceu”). Para ele, isto é o ponto decisivo em relação ao mistério do Natal: em Jesus Deus desceu ao nosso mundo, ao caos de nossos sentimentos, à escuridão de nossa alma e à frieza de uma sociedade que muitas vezes se fecha totalmente para Deus.
Essa descida de Deus até nós é, para Mozart, o pré-requisito para que ele, apesar de todos as suas decepções pessoais e não obstante a escuridão do mundo, possa compor música tão alegre, como foi sua obra musical. Não é uma música que ignore o sofrimento do mundo, mas uma música que, perante o sofrimento (aqui basta trazer presente o sofrimento causado pela pandemia da COVID19), mesmo assim é cheia de otimismo e jovialidade. De fato, Jesus desceu em toda a escuridão deste mundo, a fim de o transformar com seu amor.
Deixemos que a luz do Natal, o Deus que descendit do céu, primeiramente torne visível a nossa escuridão. Ela convida-nos a observar e enfrentar as nossas trevas, em vez de, perante elas fugirmos para o mundo escuro de escravidão. Benditos os que tem a coragem de acolher a luz do Natal!
Deixemos que a luz do Natal, o Deus que descendit do céu, também nos transforme. Tudo é possível para nós, quando somos permeados por essa plácida luz. Benditos os que tem coragem de deixarem-se transformar pela luz do Natal Mais do que nunca, especialmente no segundo Natal “pandêmico” que estamos vivendo, sejamos estábulos não palacianos e manjedouras não folclóricas para o DEUS QUE “DESCENDIT” DO CÉU! Que o Natal nos inunda com sua Luz!
(Artigo baseado nas reflexões do grande místico da atualidade, Anselm Grün, contidas no seu livro: ” Licht und Stille. Ein spiritueller Begleiter für den Advent und die Weihnachszeit”)
*Arcebispo Metropolitano de Pelotas