ARTIGO – CONVENIÊNCIAS INCONVENIENTES/INCONSEQUENTES

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Conveniências inconvenientes/inconsequentes

Neiff Satte Alam*

Interior de Pelotas, fevereiro de 2050.

Aquecimento global: o ceticismo e os interesses econômicos venceram a batalha, mas nós perdemos a guerra.

Vivo em uma nova era geológica, saímos do Holoceno e ingressamos no Antropoceno, a época dos humanos que foi proposta por Paul Crutzen, Nobel de Química em 1995 e que foi defendida pelo Cientista brasileiro Carlos Afonso Nobre em 2017. O aquecimento global é uma realidade e suas consequências estão a alterar o caminho da civilização humana.

Após ler uma entrevista do Cientista brasileiro, publicada em um jornal impresso que ainda era comum naqueles tempos, mas já disponível na forma eletrônica, um pouco desolado, sentei-me sobre uma rocha que antes fazia parte de um riacho que percorria um caminho entre árvores. Somente vejo pedras, um solo arenoso e com profundas cicatrizes que identificam uma história de destruição ambiental ocorrida próxima ao início do século XXI. Denominavam este local de “Cascatinha”, no interior do Município de Pelotas, hoje, neste ano de 2050, fico imaginando como era este local que só conheço por fotos feitas pelos meus avós no início do século.

Neste mesmo local havia um enorme salso-chorão que deitava folhas sobre o córrego de águas cristalinas que, entre sombras e raios de luz, encachoeirava-se por entre as pedras de forma ruidosa e deixando espumas que guarneciam o ar precioso que se misturava a água e permitia uma vida saudável aos habitantes submersos.

A vida que não estou vendo, era rica, saudável e pujante. Crianças, como eu, jovens, adultos e velhos deleitavam-se com esta natureza. Churrascos eram feitos à sombra das árvores. Dentro d’água, todos brincavam como se tivessem a mesma idade, idade de criança. O sol forte e impiedoso não conseguia quebrar o frescor determinado por aquela natureza em estado de equilíbrio e que abraçava o homem como parte integrante de sua própria estrutura.

Em apenas 50 anos, como tudo havia se transformado. Que sol escaldante castigava meu corpo enquanto ficava a imaginar como teria sido diferente se pudéssemos todos retornar no tempo e gritar mais alto, mais forte e com mais convicção que “descuidar da natureza que nos abriga e envolve era o mesmo que descuidar de nosso próprio corpo”.

Porque não acreditamos naqueles que alertavam para a fragilidade de nosso ambiente? Porque não juntamos nossas vozes aos que gritavam por socorro em nome das águas, do solo, da vegetação, do ar e dos milhões de outros seres vivos que se sufocavam na poluição desencadeada em nome de crescimento e de emprego que em verdade nunca vieram, ficaram como promessas, apenas promessas?

Repentinamente começo a acordar deste pesadelo!

Meu sono, antes profundo, dá lugar a um momento de indecisão entre estar acordado e estar dormindo. Estremeço somente em pensar que o sonho poderia ser a realidade e que esta realidade do sonho se tornasse permanente e aquele enorme deserto do futuro fosse, na verdade, o presente.

Levantei-me, fui até o berço onde dormia tranquilo meu filho e absorvi dele a coragem de seguir lutando contra os que desrespeitam a natureza como se fossem donos e não apenas componentes desta orquestra onde o homem está participando de forma tão desafinada que os sons emitidos por ele ferem os ouvidos mais afinados dos defensores do equilíbrio ambiental.

Desta forma, passamos a ter maior responsabilidade sobre nossos atos na relação com o meio, principalmente sabendo que todas nossas ações interferem e/ou sofrem interferência do ecossistema, onde nos inserimos – CONVENIÊNCIAS INCONVENIENTES/INCONSEQUENTES!

A questão de valores é fundamental para a uma definição central de ecologia, pois, hoje, entendemos que os novos modelos baseiam-se em uma ecologia centralizada na terra (ecocêntrica) e não mais no homem (antropocêntrica) e muito menos na conveniência de uns poucos (egocêntrica). Daí ser necessário e urgente introduzir padrões de comportamento e valores que tenham como objetivo a manutenção do equilíbrio ecológico, sem que a ciência contribua para a desarmonia e desequilíbrio, o que ocasionaria uma ruptura na dinâmica do sistema – daí a necessidade de darmos andamento a uma BIOÉTICA na ciência.

Despertado no meio da noite, fui a cozinha, tomei um copo d’água, comi uma fruta da estação e fiquei o resto do tempo ouvindo o som abençoado da chuva no telhado e pensando, teimosamente, que ainda há tempo de salvar o futuro…

*Biólogo, Professor de Biologia e Especialista em Informática na Educação. Participa do Treze Horas desde a sua criação, em 1978.