ARTIGO – AUTISMO NÃO É PARA POBRE

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Foto: Pixabay

AUTISMO NÃO É PARA POBRE

Gabriel Andina*

O diagnóstico de autismo é apenas o começo de uma longa e exaustiva jornada para as famílias em Pelotas e região. Enquanto a ciência avança no entendimento do Transtorno do Espectro Autista (TEA), a realidade para quem depende do sistema público de saúde é dramática.

Em Pelotas, a fila de espera para iniciar as terapias essenciais, como fonoaudiologia, terapia ocupacional e psicologia infantil, ultrapassa os dois anos, deixando crianças sem o atendimento fundamental para seu desenvolvimento. A situação é ainda mais crítica quando falamos das consultas com neurologistas infantis, indispensáveis para um acompanhamento clínico adequado.

Há uma carência absurda de profissionais na rede pública, resultando em esperas intermináveis e atrasos que comprometem o progresso das crianças diagnosticadas com TEA. A falta de estrutura não se limita ao sistema de saúde. Nas escolas públicas, a situação é igualmente alarmante. O Plano Educacional Individualizado (PEI), uma ferramenta crucial para garantir que as crianças autistas recebam o suporte adequado dentro do ambiente escolar, não é implementado na maioria das instituições. Além disso, os alunos não têm acesso ao acompanhante terapêutico, um profissional que poderia proporcionar o suporte necessário para integrar esses estudantes ao ensino regular.

Para muitas famílias, o diagnóstico de autismo é um divisor de águas. Porém, em uma região marcada por longas filas de espera, escassez de recursos e abandono das políticas públicas, fica evidente que autismo não é coisa para pobre. As famílias com maior poder aquisitivo conseguem garantir o acesso às terapias por meio de serviços privados, mas as de baixa renda são deixadas à própria sorte, dependendo de um sistema que falha em oferecer o mínimo.

Neste cenário de abandono, uma luz no fim do túnel tem sido a interferência do poder judiciário, que se torna cada vez mais necessária para assegurar o cumprimento dos direitos das crianças autistas. As famílias que enfrentam barreiras intransponíveis na saúde e na educação são frequentemente obrigadas a buscar na justiça a garantia dos direitos previstos na legislação, como o direito à saúde integral e à educação inclusiva.

Diversos casos têm mostrado que, quando acionado, o judiciário tem o poder de forçar o Estado a disponibilizar os recursos necessários para o tratamento e acompanhamento dos autistas, garantindo desde consultas com neurologistas até o fornecimento das terapias recomendadas. Além disso, determinações judiciais têm pressionado as escolas públicas a adotarem o PEI e disponibilizarem o acompanhamento terapêutico, medidas essenciais para a inclusão educacional.

No entanto, a judicialização da saúde e da educação reflete o fracasso do poder público em cumprir suas obrigações. As famílias não deveriam ter que recorrer à justiça para obter aquilo que lhes é de direito. A intervenção judicial é uma solução paliativa, e não definitiva. O que precisamos é de políticas públicas eficazes, que priorizem o atendimento integral às crianças autistas, com estrutura adequada e profissionais capacitados.

Enquanto o poder público não assume sua responsabilidade, o caminho para muitas famílias será longo e árduo, com a justiça como última esperança para garantir que seus filhos tenham acesso ao que lhes é garantido por lei. E, para essas famílias, o tempo é um recurso que não pode ser desperdiçado.

*Estudante de direito e pai de autista.