A ECOLOGIA DO ATRASO
Paulo Gastal Neto*
Causa espanto a falta de uma ética própria entre parte dos profissionais que atuam nas áreas ambientais das universidade públicas federais e os que estão nos governos tratando diretamente das questões ligadas a licenciamentos. Eles divergem abertamente, passando à sociedade uma ideia de que todos os órgãos governamentais – em todos os âmbitos – estão dotados de profissionais incapazes.
De um lado estão os vestais da infalibilidade, que geralmente gravitam nas instituições de ensino, sempre de prontidão para criticar todo e qualquer procedimento, decisão, planejamento e – por fim – o objeto de estudo a ser licenciado. Do outro lado estão os ambientalistas, profissionais ligados a organismos governamentais, até se prove o contrário capazes do cargo que ocupam, também conhecedores da legislação e que deliberam sobre projetos, viabilizam legalmente empreendimentos, exigem o cumprimento de uma severa legislação, deliberam sobre mitigações, exigem manutenção de áreas intocáveis, obrigam construção de novos ambientes que compensem necessárias supressões. Esses profissionais são tão ambientalistas quanto os das universidades. Temos que respeitá-los!
Bom lembrar que tudo na nossa vida gera algum tipo de impacto. A simples partida do motor de um automóvel, um bombear de água numa plantação, criar um rebanho de novilhos, enfim tudo modifica nosso ambiente, de alguma maneira. Umas atividades mais outras menos. Temos então que, constantemente, medir a relação entre toda e qualquer ação e o que ela vai nos causar. E mais: se vale a pena ou não. Ação e reação. Ao fim a e ao cabo: temos que atender a legislação vigente. Esta é uma lei do mundo moderno, necessária, mas porém eminentemente técnica. Isso mesmo: técnica e não política! É dispensável o antagonismo ‘militante ideológico’, a arrogância profissional sobre colegas e o proposital distanciamento dos interesses da sociedade, em prol dos objetivos individuais.
Um exemplo: Recentemente a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Estado do RS concluiu estudo prévio para o futuro edital de concessão de uso de áreas da Laguna dos Patos, para a implantação de aerogeradores de energia elétrica (parque eólico) a serem instalados pela iniciativa privada. Energia limpa e renovável como prega o politicamente correto e como se comprometeu o nosso estado em Madrid, na Cop-26, como queriam todos. Ou não? Pois bem: no mesmo momento, onde nem o projeto está finalizado e nada foi apresentado, sendo que nenhuma empresa sequer mostrou estudo sobre a proposta, já ecoaram críticas aos quatro cantos sobre a referida iniciativa.
Se fosse uma termelétrica aconteceria à mesma coisa; uma usina nuclear nem se fala; uma hidrelétrica mais ainda; a carvão uma revolta, enfim nada serve para alguns a não ser a política individual de cada ator em busca de seu próprio espaço. Há uma relação entre necessidade e impacto. Precisamos de energia? Sim! Qual a melhor forma? Ou optaremos pela escuridão? Houve tempos assim. Queimavam-se livros. Lembram?
Esses grandes projetos passam por um crivo imenso em áreas técnicas e suas instâncias. Audiências públicas são realizadas para exposição de ideias, posicionamentos e pareceres são solicitados, locais são minuciosamente estudados, ventos são medidos, movimentos de aves migratórias são levados em conta. São laudos e documentos elaborados por profissionais da área ambiental que atual em diversos escalões e organismos públicos e privados com alta experiência e com estudo de cada caso. Temos que respeitá-los. Mas os vestais da infalibilidade das universidades nada disso levam em conta. O que vale é o seu parecer e a busca de seu espaço pessoal.
As pessoas precisam acreditar em seus semelhantes e nas ações de seus pares de profissão. Essa ética atropelada está fazendo mal a sociedade. A ganância por espaço a qualquer custo acaba penalizando aos que mais necessitam. Essa energia toda não deveria estar sendo usada em favor de uma ampla política para forte ação pelo saneamento básico? Este não é um problema ambiental que está na nossa porta, na nossa rua, nos hospitais, na expectativa de vida e na mortalidade infantil? Onde estão os ambientalistas dessa causa prioritária e sem espaço nas teses desses pseudo-intelectuais da defesa do meio ambiente? Só vale inviabilizar? Construir não?
Muitos profissionais da área do meio ambiente foram consultados e profissionais devem ter colocado seus nomes comprometidos com registros em documentos oficiais. É o mínimo. A sociedade gostaria que essa imensa preocupação recaísse sobre o principal problema ambiental que enfrentamos em Pelotas, no RS e no Brasil: a questão do saneamento básico. Uma pauta que jamais deveria estar em segundo ou terceiro plano. Saneamento básico é ‘saúde pública na veia’. Diminui a mortalidade infantil, aumenta a qualidade e a expectativa de vida das pessoas, valoriza patrimônio e aumenta a auto-estima das pessoas. Pouco se fala nisso.
Não é difícil perceber que essas pautas envolvendo projetos públicos ou privados sejam eminentemente políticas. Diante de qualquer nova proposta que altere matriz energética ou melhore o ambiente de um sitio urbano, gerando empregos, alterando o perfil econômico de um bairro, melhorando a vida de um nicho de pessoas, haverá sempre aqueles que vão se colocar contra, pois o sucesso do proponente com a anuência das autoridades, será a derrota política desses interlocutores do caos.
A falta de razoabilidade está predominando. Profissionais não confiam nos seus colegas. Laudos oficiais são contestados sem ao menos estudados. Projetos são rechaçados mesmo antes de serem conhecidos. É a onda da inviabilização do coletivo em favor pessoal, a maior chaga da vida em sociedade.
*Radialista e editor do site www.pelotas13horas.com.br