A IRONIA I – MOZART VÍCTOR RUSSOMANO

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Mozart Victor Russomano – Pelotas, 5 de julho de 1922 — Pelotas, 17 de outubro de 2010. Jurista, professor universitário jubilado de direito do trabalho e seguridade social das faculdades de direito da Universidade Federal de Pelotas e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, hoje integrada à UFPel. Também foi professor titular da Universidade de Brasília, de 1973 a 1982.

LEITURA SELECIONADA – De A Morte do Viajante Apressado

A IRONIA – Mozart Victor Russomano

Pois bem, leitor.

Apanhe, agora, esses ingredientes. Ajunte-lhes certos temperos. Uma gota de Guerlain (se possível um frasco inteiro de Joy de Jean Patou, que é o perfume preferido de minha mulher). Uma pitada de conhaque Napoleón ou de Benedictine. Uma estrofe de Verlaine. Um dito pitoresco à dama que passa na Avenida dos Champs-Elysées. A blasfêmia do motorista de táxi. Um requebro de midinette ao sair da oficina para o ar cristalino da primavera de Paris. Um sorriso de Alain Delon. Um bronze de Rodin. Uma piada de Chevalier. Um copo de Borgonha espesso ou um cálice espumante de um cru de boa safra. Uma bailarina de Degas. O protesto do garçom contra a gorjeta insuficiente. Um pedaço do último programa do Olimpiá. O biquíni de brilhantes falsos de uma corista autêntica do Lidô. A capa do último Prêmio-Goncort. Uma cançoneta de Edith Piaf. Uma frase de Sacha Guitry.

Misture isso tudo.

Espalhe sobre a argamassa confusa algumas violetas compradas de ma vendeuse na esquina da Praça da Ópera.

E é bem possível que disso tudo – contra as regras da ciência moderna, mas segundo as velhas e desprestigiadas leis da geração espontânea – nasça um país inteiro: a França. A França bela, resplandescente, indobrável e messiânica. A enamorada de Joana d’Arc. A amásia de De Gaulle. A França que não quer compreender que nessas duas paixões históricas imensas – como Narciso, ao se debruçar sobre as águas do riacho – ela irremediavelmente apaixonada por si mesma.