ARTIGO – O TERCIOPELO

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O Terciopelo

Henrique Pires*

Começou quando a jovem Bebela estava se preparando para ir numa grande festa de casamento. Aquelas penugens que trazia no rosto precisavam ser removidas e ela – usando o que havia de melhor na época – muniu-se do pincel de barba, do sabão e da bem afiada navalha do marido. Funcionou! No rosto bem escanhoado, aplicou maquiagem, colocou seu melhor vestido e foi assim ao evento.

Dias depois, surgiram uns fiapos mais grossos. As velhas penugens revigoradas voltaram e um visível cavanhaque passou a compor seu rosto. Até aí tudo bem, seu marido – Seu Cazuza – não se importava. Ambos se amavam muito e ele próprio tinha uma barba escura e bem cerrada.

Veio mais uma festa de casamento, um batizado, umas bodas de ouro e ela, que era mulher muito caseira, sempre nessas ocasiões de festa de cerimônia, pegava a navalha e removia aquele seu acervo de pelos. Em pouco tempo, bem podada, a barba veio. Ou “se veio” como diziam os antigos moradores da Rua São Miguel – no centro de Pelotas – que hoje tem outro nome.

Seu Cazuza e Dona Bebela conviviam felizes, não se importando se havia ou não comentários sobre o rosto feminino da casa que, a essa altura, já tinha até um farto bigode. Eram donos de um campo, nas imediações da cidade, onde engordavam bois magros comprados nas redondezas, os quais, na hora certa, já gordos, eram levados para os leilões da Tablada e garantiam bom lucro. Ou seja, eles eram gente de dinheiro. Tinham boa casa assobradada na cidade, em cujo balcão de uma janela acomodavam cadeiras. Lá sentavam pra tomar um mate e olhar o movimento quase todo fim de tarde.

Um dia chegou um tropeiro a cavalo, que os viu na sacada e perguntou: “qual de vances é o Seu Cazuza?” Queria vender uns novilhos, sabia a quem procurar, mas aquele par de pessoas com barba lhe atrapalhou as ideias.

Tratou o negócio com o barbudo certo e vendeu a tropinha.

Anos depois, Bebela viuvou. Naquela época não havia aposentadorias nem pensões como existem hoje e ela vendeu a casa, investiu o dinheiro e mudou para a casinha pequena que havia na entrada da estanciola onde aprontavam o gado que vendiam. Dizem que foi por isso que naquela época surgiu em Pelotas a referência geográfica que está descrita nos mapas até hoje: a famosa Estrada da Barbuda.

*Henrique Pires é jornalista e historiador.