O Futuro Presidente do BC e a Mulher de César
Marcelo de Oliveira Passos*
O primeiro dia de janeiro de 2025 trará, além da temporada de férias, do ano novo e do verão, um novo presidente para o Banco Central do Brasil. O atual mandatário do Bacen, Roberto Campos Neto, deixará o cargo no último dia deste ano e seu sucessor, confirmando o que muitas pessoas no mercado financeiro já sabiam, foi anunciado: será o atual diretor de política monetária do BC: Gabriel Galípolo. Ele foi indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e terá um mandato de quatro anos para garantir o poder de compra do real, reduzir a volatilidade cambial e assegurar a solidez e a eficiência do sistema financeiro nacional.
Terá a mesma autonomia, garantida por lei, que teve Campos Neto desde que foi indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Isto é: gozará de plenos poderes para, por meio do uso de instrumentos de política monetária, assegurar que a taxa de inflação fique controlada.
A estabilidade da moeda deve ser sempre a preocupação central de um presidente do Banco Central, uma vez que a inflação é o pior (e insonegável) tributo para os mais pobres. Com a inflação controlada, Galípolo poderá reduzir a taxa de juros, algo que o presidente Lula vem cobrando, até com certa agressividade, de um impassível Campos Neto.
Porém, esta não será uma tarefa fácil. Há ainda algumas pressões inflacionárias no horizonte. O último relatório Focus do BC, que retratou a inflação que os analistas do mercado esperam, mostrou que o IPCA exibe uma tendência de afastamento do centro da meta de inflação. Este “centro da meta” é de 3% para este ano e também para 2025. O nível máximo tolerável de inflação (uma espécie de “teto inflacionário”) não pode ultrapassar 4,5%. Os analistas previram no relatório que em 2024 a inflação chegará 4,25% (a previsão anterior era de 4,22%). E para o ano que vem, justamente quando Galípolo assumir, a previsão de inflação aumentou de 3,91% para 3,93%.
Além disto, o cenário de descontrole fiscal é sempre um risco considerável quando se tem um Congresso gastador e um Executivo também não é muito dado ao controle das contas públicas. No mês de junho, de acordo com dados do próprio BC, a Dívida Bruta do Governo ampliou-se e alcançou 8,7 trilhões de reais. Isto ocorreu a despeito de empenho do ministro da fazenda Fernando Haddad em reduzir gastos e aprovar a segunda etapa da reforma tributária.
No front internacional, o processo eleitoral dos Estados Unidos e a melhora das expectativas inflacionárias na economia norte-americana, favorecem a redução da taxa de juros pelo Fed, por um lado. Por outro, contudo, como os juros por lá estão ainda historicamente muito altos, esta redução não acontecerá tão rapidamente. E esta lentidão da redução dos juros pelo Fed pode traduzir-se em lentidão na queda da Selic por aqui. Se Galípolo ceder à tentação de reduzi-la muito rapidamente para agradar seu padrinho, o que poderá acontecer é uma saída de capitais para investir em títulos do tesouro dos Estados Unidos. Com isto, o dólar pode disparar e a inflação voltar. Galípolo teria, neste cenário, que aumentar a Selic para combater a inflação logo após reduzi-la. Este fenômeno é o que os economistas chamam de “política monetária temporalmente inconsistente”. Resumo da ópera: ele poderá não ter muita margem para reduzir a Selic logo no início de seu mandato, como deseja Lula.
A economia brasileira também dá sinais de aquecimento. A taxa de desemprego vem caindo nos últimos meses e atingiu 6,9% no segundo trimestre, encerrado em junho. A renda do trabalhador também está em crescimento. Um mercado de trabalho aquecido aumenta a probabilidade de a inflação voltar a dar sinais de alta.
Em suma, valerá para o futuro presidente do BC a mesma máxima proferida pelo imperador romano Júlio César sobre sua bela esposa Pompeia Sula: “A mulher de César deve estar acima de qualquer suspeita. À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”. Gabriel Galípolo terá que sinalizar ao mercado financeiro que está realmente comprometido com a estabilidade de preços e que não cederá em um milímetro às pressões do PT e às do próprio presidente Lula. Não basta que ele tenha autonomia garantida por lei, ele terá que demonstrar ao mercado que efetivamente a exerce sempre que ela for necessária.
*Doutor em Economia. Professor e pesquisador do Programa de Doutorado em Economia da Universidade Federal de Pelotas (PPGOM/UFPEL).