ARTIGO – NÃO DEIXEMOS QUE NADA NOS ROUBE A CONFIANÇA

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NÃO DEIXEMOS QUE NADA NOS ROUBE A CONFIANÇA

Dom Jacinto Bergmann*

Um conto húngaro, denominado “o ferreiro da catarata”, está muito divulgado e, assim, é do conhecimento de muitas pessoas. Neste tempo da pandemia da COVID19, várias vezes, esse conto, também, me veio à tona do profundo da minha lembrança. Qual significado tem a mensagem deste conto, fui me perguntando? Pois, alguns rasgos de significado foram aparecendo e hoje coloco-os por escrito.

Iniciamos com a transcrição do conto húngaro: “Um ferreiro fazia operações de catarata com o seu instrumental de ferreiro e com total perfeição, inclusive de pacientes que eram insolúveis para os cirurgiões profissionais. Um dia, diante de uma equipe médica especialista da Universidade, operou uma pessoa com catarata dupla. O primeiro olho já foi operado com perfeição. Começaram as muitas observações de perigos justos por parte dos médicos. O ferreiro perdeu o controle pessoal e nunca mais conseguiu operar”. Perder o controle do viver e do agir, do agir e viver.

Neste tempo pandêmico muitas pessoas perderam o controle do viver e consequentemente do agir. Outras pessoas perderam o controle do agir e consequentemente do viver. Ainda algumas pessoas perderam ambos ao mesmo tempo: do viver e agir e do agir e viver. Segundo o nosso conto, o ferreiro perdeu o controle no momento que foi observado pela equipe médica. Diante de uma ação exterior ele perdeu o controle. Estava “seguro de si”, do seu viver e agir e do seu agir e viver, até o momento em que perdeu a confiança presente nele. De igual modo, fazendo uma comparação simples, também a hodierna humanidade foi atingida pela ação exterior do coronavirus. Estava ela “segura de si”, do seu viver e agir e do seu agir e viver, até o momento pandêmico em que perdeu a confiança presente nela. Ter ou perder o controle do nosso viver e agir e do nosso agir e viver é uma questão de confiança.

A palavra “confiança” vem do latim “confidere”, formada por “com” – intensificativo, mais “fidere” – “acreditar”, que, por sua vez, deriva de “fides” – “fé”. Portanto, “confiança” significa depositar fé com intensidade. Ter confiança é “acreditar mesmo”. Perder a confiança é “não acreditar mesmo” e isso faz perder o controle do nosso viver e agir e do nosso agir e viver. A confiança é uma realidade a ser cultivada no nosso interior que não se abala em nada com algo vindo do exterior. Bem cultivada, nada nos pode atingir perdendo o controle do nosso viver e agir, do nosso agir e viver.

O verdadeiro cultivo da confiança, primeiramente acontece num “con-fidere” – “acreditar mesmo” em nós e nos outros como “imagem e semelhança” do Criador de tudo. E depois, acontece num “con-fidere” – “acreditar mesmo” em nós e nos outros como “protagonistas forjados” pelo Senhor da Vida e da História. Trocar os papéis: “con- fidere” – “acreditar mesmo” em nós e nos outros como criadores próprios (sem sermos “imagem e semelhança do Criador”) e “con-fidere”- “acreditar mesmo” em nós e nos outros como protagonistas próprios (sem sermos “forjados” pelo Senhor da Vida e da História), isso leva a perder o controle como humanidade, sua vida e ação. Trocando os papéis, qualquer situação adversa – “observações dos professores” nos faz descontrolados e inoperantes – “ferreiro húngaro no final do conto”. Sejamos eternos aprendizes, ancorando a nossa confiança no Criador e Senhor da Vida e da História.

Ele e sua sempre Boa Nova são fontes de verdadeira “con-fidentia” – “confiança”. Por isso, usando a linguagem querida pelo Papa Francisco, não deixemos que nada nos roube a confiança.

*Arcebispo Metropolitano de Pelotas