ARTIGO – “EU QUERIA VIVER”

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“EU QUERIA VIVER!”

Dom Jacinto Bergmann*

 “Eu queria viver”, nesse tempo de pandemia se prolongando já quase dois anos, talvez foi e é o grito mais agudo vindo do profundo de nossas almas. Com o risco de nossas vidas nas mãos do vírus da COVID19 com suas diferentes cepas, não tinha como não soltar o grito “eu queria viver!”.

Porém, a própria pandemia desafiou-nos a tornar o grito “eu queria viver” por uma vida mais ampla que apenas a física. A humanidade não estava caminhando em contentar-se quase somente com uma “vida de coisas”? O que preenche mesmo a vida na sua totalidade?

Fortemente, aqui, me vem à mente o escrito do adolescente alemão, mimado por seus pais, viralizado antes mesmo da COVID19. Ele escreveu: “Eu queria mamar e recebi a garrafa; eu queria pais e recebi brinquedos; eu queria falar e recebi um livro; eu queria aprender e recebi um diploma; eu queria pensar e recebi conhecimentos; eu queria uma visão de conjunto e recebi informações; eu queria ser livre e recebi falsa disciplina; eu queria amar e recebi uma moral vazia; eu queria uma profissão e recebi alguns trabalhos; eu queria felicidade e recebi dinheiro; eu queria liberdade e recebi um carro; eu queria um sentido para a vida e recebi uma carreira; eu queria esperança e recebi medo; eu queria transformar e recebi compaixão; EU QUERIA VIVER!” Para esse adolescente, o “queria” é mais forte que o “recebi”. O “queria” preencheria sua vida em plenitude; o “recebi” deixou ele sem a vida em plenitude. Por isso o seu grito “eu queria viver”!

O adolescente alemão gritando no final “eu queria viver”, o grito que por sua vez resumiu todos os gritos anteriores, desafia a humanidade, de ontem e de hoje, a olhar a vida na sua totalidade. Não basta ter todos os “instrumentos” de vida. A humanidade foi e é feita “à imagem e semelhança do Deus da Vida” (Gn 1). Por isso ela, emprestando a lapidar experiência do grande santo Agostinho, só terá felicidade completa quando “seu coração que anda inquieto repousar em Deus”.

Cada vez que ouço esse existencial grito “eu queria viver”, vem-me à mente o que a grande santa, Madre Teresa de Calcutá, deixou escrito sobre a vida. Aliás, vindo dela, não é mera retórica, mas vivência, coerência e testemunho. Eis a sua compreensão de vida: “A vida é uma oportunidade: aproveita-a; a vida é beleza: admire-a; a vida é um sonho: torne-o realidade; a vida é desafio: enfrente-o; a vida é um dever: cumpra-o; a vida é um jogo: jogue-o; a vida é preciosa: cuide dela; a vida é uma riqueza: conserve-a; a vida é amor: goze-o; a vida é um mistério: descubra-o; a vida é promessa: cumpra-a; a vida é tristeza: supere-a; a vida é um hino: cante-o; a vida é uma luta: aceite-a; a vida é aventura: arrisque-a; a vida é alegria: mereça-a; a vida é vida: defenda-a”.

 “Eu queria viver”! Eu quero viver! Nós queríamos viver! Nós queremos viver! Por que não deixarmos espaço para aquele que veio para ser o “Caminho certo” e a “Verdade segura” para obtermos a “Vida plena”? Ele que queria (quis, quer) salvar a vida da humanidade, encarnando-se na sua história, veio com a missão de “trazer a vida e a vida em abundância” (Jo 10,10). Para isso, Ele, divino, deve que sujeitar-se à condição de humano e abraçar a morte de cruz, para, assim, vencer toda a morte com sua ressurreição. Ele é o Senhor da vida.

Feliz a humanidade que, com uma pandemia ou sem uma pandemia, encontra nesse Senhor da vida a resposta do seu grito: “Eu queria viver”!

*Arcebispo Metropolitano de Pelotas.