ARTIGO – DONALD TRUMP E O BRASIL

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DONALD TRUMP E O BRASIL

Marcelo de Oliveira Passos*

Lançar uma mulher vista como preta pelo eleitorado branco americano seria ótima ideia se o adversário não fosse o Trump. Explico: só existem dois líderes muito respeitados pelo eleitorado dos EUA: Donald Trump e Barack Obama. Dado que Obama está inelegível, em quem tu achas que os eleitores votariam contra Kamala Harris?

Os democratas tornaram-se um partido de classe média e média alta. Perderam boa parcela a classe média baixa norte-americana. E os republicanos a tomaram para si, com promessas de reduzir a inflação e o desemprego dos brancos. Desemprego este que é afetado pelos imigrantes, que são vistos como “usurpadores dos empregos dos WASP”. WASP é uma abreviatura que em inglês significa “Branco, Anglo-Saxão e Protestante” (White, Anglo-Saxon and Protestant). Foi a maioria dos WASP menos educados e com menor nível de renda que elegeu Trump nas eleições de 2016 e novamente agora.

Enfim, deu a lógica, gostemos dela ou não. Todavia, não acho que o retorno de Trump ao poder, do ponto de vista econômico, seja a tragédia que alguns falam. Trump pode ser protecionista, retrógrado em questões ambientais e migracionais. Mas sabe ser muito pragmático nas relações internacionais, sobretudo na esfera econômica. Ele, além de habilidoso negociador e empresário bem-sucedido, é economista formado pela prestigiosa Wharton School, da University of Pennsylvania. Exemplo de seu pragmatismo foi a surpreendente aproximação que fez com a Coreia do Norte em 2019, quando chegou a visitar o país. Ele usa a ideologia apenas na medida em que isto o beneficia com votos ou popularidade (sim, ele é marcadamente populista). E talvez seja esta a única semelhança que tem com Lula: a maneira de usar a ideologia para manter ou aumentar a coesão de sua base eleitoral. Bolsonaro, por exemplo, é ideológico em demasia, o que limitou sua necessidade de conseguir votos dos eleitores de centro, conforme o líder de seu próprio partido, Valdemar Costa Neto, do PL.

O Brasil terá que redobrar seus esforços na OMC e junto aos órgãos governamentais norte-americanos para fazer valer seus interesses e fugir do protecionismo em setores como petróleo (Petrobras), agropecuário, aço (Gerdau, Usiminas, Votorantim, Villares), produção de aviões (Embraer), mineração (Vale) e proteína animal (Marfrig, JBS) etc.

E também sofrerá oposição norte-americana nas questões ambientais, lembrando que a COP30 será sediada em Belém daqui a um ano (novembro de 2025). As posições do Brasil como um dos líderes globais das questões ecológicas, as quais recebiam apoio de Biden e do partido democrata, agora enfrentarão a oposição de Trump e republicanos. Quer dizer, se Lula subir o tom e novamente praticar excessos verbais em questões ambientais ou geopolíticas, terá certamente a voz contrária de Trump.

No caso do balanço comercial entre Brasil para os EUA, o risco de medidas protecionistas contrárias às nossas exportações em governos republicanos é algo a se considerar. Em George W. Bush aumentou a proteção à então ineficiente indústria do aço de seu país. Afetou as exportações da Gerdau, Usiminas e outras grandes do aço brasileiro. Em 2023, o comércio bilateral entre Brasil e Estados Unidos somou US$ 75 bilhões. O Brasil exportou US$ 36,9 bilhões para os EUA. E registrou o maior número, nos últimos dois séculos de relações Brasil-EUA,  de empresas brasileiras que exportam  produtos para o mercado norte-americano. Os Estados Unidos são nosso segundo maior parceiro comercial, atrás apenas da China. Além disso, são o terceiro maior fornecedor de produtos estrangeiros ao Brasil, totalizando 15,8% das importações brasileiras. Os negócios envolvendo o petróleo são os mais representativos no comércio bilateral. O Brasil exporta petróleo para lá e importa deles óleos combustíveis.

Em relação aos investimentos bilaterais, também em 2023, o Brasil recebeu US$ 10 bilhões de investimentos diretos dos EUA, e o total de investimentos dos EUA no Brasil até 2022 foi de US$ 229 bilhões. A fonte dos dados anteriores é a Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Indústria, Comércio e Serviços (Secex/Mdic).

Caberá ao Brasil, portanto, para manter a saúde destas relações econômicas e  reduzir o risco do protecionismo dos republicanos, acelerar o acordo UE-Mercosul. Para isto, terá que superar a oposição de Emmanuelle Macron, que é até mais protecionista, quando se trata do agronegócio, do que Donald Trump.

*Prof. Dr. Marcelo de Oliveira Passos – Professor do Mestrado e Doutorado em Economia da UFPEL – Doutor em Economia pela Universidade Federal do Paraná. Pós-Doutorado no Research Unit on Complexity and Economics da Universidade de Lisboa (ISEG).