Canudos: quando, como e por quê?
Lourenço Cazarré*
Quando um amigo carioca me perguntou por que – raios! – um gaúcho havia escrito um romance que se passava no interior da Bahia, eu contei a ele uma longa história, que é a que vem a seguir.
Em junho de 1977, aos 23 anos, quando residia em Florianópolis – usava cabelão black power e carregava a tiracolo uma bolsa quadrada de couro -, li pela primeira vez o livro Os sertões, de Euclides da Cunha. Não vou mentir: foi com muita dificuldade, pulando páginas, que atravessei o primeiro capítulo, intitulado “A terra”. O segundo, “O homem”, também me exigiu certo esforço. Mas deslanchei a partir do terceiro, “A luta – preliminares”. E me apaixonei.
A pergunta que me fiz ao final da leitura foi: como ninguém escreveu um livro de ficção tendo como base o que é contado aqui? Na verdade, havia alguns livros do começo do século, lançados na esteira do tremendo sucesso de Os sertões, que romanceavam aquele conflito. Eram obras às quais eu só teria acesso mais tarde, após o surgimento das estantes virtuais. Decidi então escrever uma obra literária sobre a Guerra de Canudos. Mas sabia que teria de me preparar bem, estudando o assunto por muitos anos.
Porém, em 1981, o escritor peruano Vargas Llosa me tirou o pão da boca ao lançar A guerra do fim do mundo, sua versão ficcional sobre os combates no Império do Belo Monte. Desisti na hora do meu sonho euclidiano.
Passados uns trinta anos, eis que me chega às mãos Veredicto em Canudos, do grande escritor húngaro Sándor Márai. Curiosamente, eu havia lido antes todos os livros dele vertidos para o português. Mas, por um acaso qualquer, Veredicto foi o último. Nesse livro, há um longo e enigmático diálogo entre uma mulher e o marechal que comanda as tropas que, por fim, destroem Canudos. Essa mulher, irlandesa, estava entre a meia dúzia de quase cadáveres que sobrevivem à destruição total da cidade e se entregam às tropas triunfantes. Por que estava ela ali? Porque viera ao Brasil à procura do marido, um médico renomado que, depois de ler uma notícia de jornal sobre a guerrilha sertaneja, teria viajado da Irlanda ao Brasil para juntar-se aos seguidores de Antônio Conselheiro. Mas quando, como e por que motivo Sandor Márai escreveu Veredicto em Canudos? Simplesmente, por força do fortíssimo impacto que sentiu ao ler, nos Estados unidos, a versão inglesa da obra-prima de Euclides da Cunha.
Bem. O encontro com Veredicto reativou o meu antigo desejo.
Com uma experiência de mais de 35 anos em literatura juvenil, e depois de várias releituras d´Os sertões, resolvi recorrer a um jovem para contar outra versão daqueles embates que se arrastaram por quase um ano e destruíram milhares de vidas.
Criei então uma bela garota, inteligente e sensível, e dei-lhe o nome de Maria Guilhermina. Aos 15 anos, ela chega com os pais e o irmão gêmeo a Canudos, onde se defrontará com dois rapazes que se apaixonarão por ela: um poeta pernambucano e um militar inglês.
Nas palavras ditas e escritas por esses três jovens, nos seus sonhos, emoções, certezas, dúvidas, aventuras, alegrias e tristezas, o leitor poderá acompanhar o avanço simultâneo do amor e da guerra – os eternos inimigos – no coração selvagem do Brasil.
Os Sertões é um dos maiores livros, se não o maior, da literatura brasileira. É obra que teria lugar de destaque em qualquer das grandes literaturas do mundo. Com Amor e guerra em Canudos, que saiu agora pela editora Yellowfante, meu objetivo – se é que livros podem ter objetivos – é despertar nos jovens o interesse de lerem depois, mais amadurecidos, o livro que narra uma guerra devastadora, decorrente de preconceito, desinformação e manipulação política. Em suma, uma guerra desnecessária, sem justos motivos. Mas, pensando bem, será que existe algum motivo que possa justificar uma guerra, qualquer guerra, em qualquer lugar, em qualquer tempo?
*Jornalista e escritor