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Pedro E. Almeida da Silva*
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As universidades públicas concentram cerca de dois milhões de estudantes e são responsáveis pela maior parte da pesquisa científica do país. Isso reflete o esforço coletivo de várias gerações que construíram um patrimônio acadêmico essencial para o desenvolvimento econômico e social da nação. No entanto, o financiamento do ensino superior segue como um desafio persistente, ameaçando não apenas a sustentabilidade das instituições, mas também sua capacidade de continuar desempenhando o papel estratégico que a ciência e a tecnologia representam para o país.
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Os constantes cortes orçamentários levam à precarização administrativa, comprometendo desde a manutenção dos campi até a viabilidade de projetos científicos e tecnológicos. A pesquisa, tantas vezes destacada como um dos pilares da inovação nacional, enfrenta entraves estruturais que limitam seu alcance e sua competitividade internacional. No setor privado, o financiamento estudantil também se encontra em xeque. Programas como o FIES e o PROUNI foram concebidos para ampliar o acesso ao ensino superior, mas a falta de políticas eficazes de gestão e aprimoramento resultou em altos índices de inadimplência, colocando estudantes em situação de instabilidade financeira e, paradoxalmente, dificultando o próprio propósito desses programas.
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A crise orçamentária e de gestão das universidades públicas é evidenciada por obras inacabadas, prédios abandonados e espaços acadêmicos que, mesmo após uma década de construção, continuam sem uso efetivo. Esses problemas são provas materiais da insipiência dos investimentos, burocracia dos processos licitatórios e, obviamente, da ineficiência administrativa. Essa combinação de incompetência, engessamento dos processos públicos e negligência governamental não só retarda o desenvolvimento do ensino superior, como também prejudica a formação de profissionais e o avanço científico do país, reduzindo a inserção do Brasil no cenário global da inovação e do conhecimento.
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Além de espaços de aprendizado e pesquisa, as universidades públicas desempenham um papel fundamental na transformação social. Em um país marcado por profundas desigualdades e pela concentração de renda, a inclusão universitária, ampliada por políticas afirmativas como a Lei de Cotas, possibilita o ingresso de estudantes de perfis historicamente excluídos e representa uma das poucas oportunidades reais de ruptura com os ciclos de pobreza perpetuados por elites que resistem a qualquer forma de mobilidade social. No entanto, a permanência desses alunos na universidade segue ameaçada pela ausência de políticas eficazes de assistência estudantil. Criou-se, assim, um paradoxo perverso: enquanto as cotas abrem portas para novos estudantes, a falta de suporte financeiro e estrutural impede que os mais vulneráveis concluam a graduação, transformando o acesso à universidade em uma promessa incompleta.
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O ensino superior brasileiro precisa de mais do que o aumento do número de vagas, novos campi ou discursos entusiasmados sobre sua importância. Sem planejamento adequado, investimentos sustentáveis e gestão eficiente, estruturas construídas permanecerão subutilizadas, estudantes abandonarão seus cursos por falta de suporte e a produção científica perderá relevância no cenário global. Garantir que as universidades funcionem plenamente, oferecendo ensino de qualidade e impulsionando o desenvolvimento social e econômico, deveria ser prioridade de Estado. Diante desse cenário parece que Darcy Ribeiro estava certo quando disse que “a crise da educação no Brasil não é uma crise, é um projeto”
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*Pedro E. Almeida da Silva – Professor Titular da Universidade Federal do Rio Grande – FURG.