ARTIGO – VIA PULCHRITUDINIS e VIA BEATITUDINIS: SÃO POSSÍVEIS?

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VIA PULCHRITUDINIS e VIA BEATITUDINIS: SÃO POSSÍVEIS?

Dom Jacinto Bermann*

Pergunto-me, a pandemia da COVID-19 permite ainda a possibilidade da via pulchritudinis – “caminho da beleza” e da via beatitudinis – “caminho da felicidade”? Ou ela simplesmente lhes fechou as portas e deixou tão somente o “caminho da feiura” e o “caminho da infelicidade”? Com ela tudo tornou-se “feio” e “infeliz”, nossa vida perdeu o “belo” e o “maravilhoso” da existência: estamos isolados, estamos confinados, estamos tristes, estamos “feios”, estamos “infelizes”.

É possível converter esse “caminho feio” e “caminho infeliz” em via pulchritudinis e via beatitudinis? Contra todas a evidências aparentes, a pandemia nos deveria ajudar a descobrir novamente a verdadeira alegria e felicidade. Pois, em pleno começo do século 21, as pessoas chegaram a um grau de “satisfação” mal-entendida, que foi confundindo beleza com facilidade e facilidade com felicidade, praticamente transformando a beleza sinônimo de facilidade e, por sua vez, a facilidade sinônimo de felicidade.

A beleza como sinônimo de facilidade e a facilidade como sinônimo de felicidade criaram uma cultura perversa e ilusória: “belo” é o fácil e “fácil” é o feliz. “Belo” e “feliz”, é facilmente ter tudo; “belo” e feliz”, é facilmente conseguir tudo; “belo” e “feliz”, é facilmente aproveitar-se de tudo. De repente veio uma pandemia e ela simplesmente sugou a facilidade de ter tudo, de conseguir tudo, de aproveitar-se de tudo. A “feia” e “infeliz” pandemia nos tirou o belo e o feliz, a beleza e a felicidade: será? A pandemia deveria ser aproveitada como uma renovada escola de aprendizado da verdadeira beleza e da verdadeira felicidade.

Aprendermos que a autêntica beleza e felicidade tem a capacidade de nos arrancar de nossa tibieza do “feio” e do “fácil” e de nos dar “asas” para fazer a passagem da “feiura” para a beleza e da “infelicidade” para a felicidade. Uma função essencial da beleza e felicidade genuínas, como escreveu o Papa Emérito, Bento XVI, no seu Discurso aos Artistas, em 21 de novembro de 2009, “é que elas dão à pessoa humana um saudável ‘choque’, elas a tiram de si mesma, a afastam para longe de […] contentar-se com a monotonia – até mesmo a faz sofrer, penetrando-a tal qual um dardo, mas ao fazê-lo a ‘desperta’, abrindo novamente os olhos de seu coração e de sua mente, dando-lhe asas, carregando-a ao Alto”.

A via pulchritudinis – “caminho da beleza” e a via beatitudinis – “caminho da felicidade” ”conduzem-nos a colher o Tudo no fragmento, o Infinito no finito, Deus na História da Humanidade”, afirma Bento XVI no seu Discurso acima citado. Simone Weil escreveu a este propósito: “Em tudo o que suscita em nós o sentimento puro e autêntico da beleza e da felicidade, há realmente a presença de Deus.

Há quase uma espécie de encarnação de Deus no mundo, da qual a beleza e a felicidade são sinais. A beleza e a felicidade são a prova experimental de que a encarnação divina é possível”. É ainda mais gráfica a afirmação de Hermann Hesse, parafraseando-a: “Beleza e felicidade significam: dentro de tudo mostrar Deus”.

Aqueles que vivem algo desta experiência – deste inalar de divina fragrância, deste suspiro de plenitude, desta fome e sede de celeste doçura, deste ardor de profundidade… deste “caminho da beleza” e “caminho da felicidade” (que nunca são o “caminho da facilidade”), se nos mantivermos nos seus cursos mesmo através de diversos perigos, provas e armadilhas, faremos a passagem do visível transitório para o Invisível eterno, do significante aparente para o Significado permanente. Tudo, então, será PULCHRITUDO e BEATITUDO.

*Arcebispo Metropolitano de Pelotas