Dom Jacinto Bergmann*
Neste tempo de pandemia do COVID-19, obrigados a ficarmos em nossas “casas” habitacionais, mas também em nossas “casas” existenciais, faz bem, e até necessário, contemplarmos, especificamente a figura do “pai” na parábola do “Filho Pródigo” apresentada por Jesus no Evangelho de Lucas, capítulo quinze. O “pai” na parábola, para Jesus é o próprio Deus, seu pai e pai de todos nós. Que Deus-Pai é este?
É o Deus-Pai que conhece com imensa compaixão o sofrimento daqueles que escolheram abandonar a sua “casa”, que choraram rios de lágrimas quando se viram em angústia e agonia. É o Deus-Pai cujo coração arde com um desejo enorme de trazer todos os seus filhos-homens/mulheres de volta para sua “casa”. Oh, quanto Ele gostaria de falar com eles, de preveni-los contra os inúmeros perigos com que estariam defrontando, e de convencê-los de que em sua “casa” poderiam encontrar tudo o que procuram fora. Como gostaria de trazê-los de volta com sua autoridade paterna e mantê-los perto, de modo que não viessem a sofrer.
Mas o amor de Deus-Pai é muito grande para fazer qualquer coisa desse tipo. Não deve forçar, constranger, agarrar, empurrar. Deixa a todos nós, seus filhos-homens/mulheres, livres para rejeitar esse amor ou para retribui-lo. É precisamente a imensidão do seu amor que é a fonte do seu grande sofrimento. Deus, criador do “céu e da terra”, escolheu ser, em primeira instância e acima de tudo, um PAI.
Como PAI, Ele quer que seus filhos sejam livres, livres para amar. Essa mesma liberdade que lhes dá a possibilidade de deixar a sua “casa”, de “ir para uma região longínqua” e com a ilusão de “ganhar” tudo, “perder” tudo. O coração do PAI sabe a dor que advirá dessa opção, mas seu amor o torna incapaz de evitá-lo. Como PAI, Ele deseja que aqueles que permanecem em sua “casa” gozem de sua presença e sintam sua afeição. Mas aqui, novamente, Ele deseja que o amor-misericórdia oferecido seja recebido livremente. Seu sofrimento não pode ser medido quando seus filhos – homens e mulheres o amam somente com palavras, enquanto seus “corações permanecem distantes”(cf. Mt 15,8; e Is 29,13). Ele conhece “suas línguas enganosas” e “corações desleais” (cf. Sl78,36-37), mas Ele não pode fazer que o amem sem perder sua verdadeira paternidade.
Como PAI, a única autoridade que Ele quer exercer é a da MISERICÓRDIA. Essa autoridade advém de deixar os pecados dos filhos – homens/mulheres ferirem seu coração. Não há sentimento de luxúria, cobiça, raiva, ressentimento, ciúmes, vingança que seus filhos – homens/mulheres tenham vivenciado que não tenham causado enorme pesar ao seu coração. A dor é tão profunda quanto o coração é puro. O amor do PAI abrange todo o sofrimento humano, encerra toda a humanidade pecadora. Mas a sua misericórdia, irradiando uma luz divina, deseja somente curar, restaurar a vida.
Esse é o Deus no qual podemos e devemos crer, um PAI, que desde o início da criação tem estendido seus braços numa bênção compassiva, nunca se impondo a quem quer que seja, nunca deixando cair seus braços em desespero, sempre aguardando que seus filhos – homens/mulheres voltem para a sua “casa”, de modo que possa com seus braços misericordiosos abraçá-los.
* Dom Jacinto Bergmann, Arcebispo Metropolitano da Igreja Católica de Pelotas.