O esfarelamento do império e as camisetas vermelhas
Pedro E. Almeida da Silva*
O retorno de Trump à presidência dos Estados Unidos reacendeu uma agenda econômica marcada por tarifas comerciais agressivas e protecionismo econômico radical. Em seu primeiro mandato, Trump impôs tarifas sobre mais de US$ 360 bilhões em produtos chineses, tentando conter, sem sucesso, a ascensão industrial de Pequim. Em 2024, o déficit comercial dos EUA com a China foi de US$ 295,4 bilhões.
Agora, em seu segundo mandato, o jogador do caos dobra a aposta. As projeções macroeconômicas começam a revelar os custos da escalada protecionista: uma possível retração de até 6% no PIB americano ao longo da próxima década, aumento da inflação em setores estratégicos como aço, energia e eletrônicos, e, inevitavelmente, o desgaste do apoio popular diante do impacto direto no consumo e no custo de vida. Em nome do “America First”, o próprio bolso americano pode ser o primeiro a sentir.
A gravidade do cenário se intensifica diante do quadro fiscal dos Estados Unidos, cuja dívida pública ultrapassou os US$ 36 trilhões em 2024, o equivalente a cerca de 120% do PIB, o maior patamar da história do país. Para efeito de comparação, no Brasil, onde o endividamento público é frequentemente alvo de críticas por parte de defensores do Estado mínimo, a dívida gira em torno de 50% do PIB. Nos EUA, o aumento contínuo da dívida ocorre em um contexto de juros elevados e promessas de ampliação dos gastos federais em defesa, infraestrutura e incentivos industriais. Alguns economistas classificam a situação como uma “bomba-relógio fiscal”, com potencial para desencadear crises de confiança nos mercados e abalar a credibilidade do dólar como referência global.
Enquanto, o presidente americano brinca de Banco Imobiliário, a China responde com estratégia. Detentora de US$ 760 bilhões em títulos do tesouro americano, Pequim, aumentou suas reservas de ouro para 2.235 toneladas; ampliou acordos comerciais usando o yuan e lidera o BRICS, agora com mais de 31,5% do PIB global.
Os países do BRICS intensificam sua ofensiva na busca de alternativas ao dólar, com o Novo Banco de Desenvolvimento financiando projetos em moedas locais e novos acordos bilaterais fora da órbita americana. Embora o comércio entre membros represente menos de 20% de seus fluxos e o yuan ainda responda por apenas 4% das reservas internacionais o fortalecimento do BRICS sinaliza que, em um mundo multipolar, a cooperação Sul-Sul emerge não apenas como alternativa, mas como força estratégica capaz de reequilibrar as relações econômicas globais.
Em meio a um tabuleiro global cada vez mais instável, a China observa paciente, pragmática e de camiseta vermelha. Do outro lado, o empresário presidente ergue a voz em defesa de um império que lentamente parece se esfarelar, empunhando tarifas e retórica nacionalista como armas de combate. A disputa, evidentemente, não é apenas comercial: trata-se do controle sobre os rumos da ordem econômica e geopolítica do século XXI. E, a cada movimento, cresce o risco de o jogo deixar de ser um simples Banco Imobiliário para se tornar uma partida real de War.
*Professor Titular da Universidade Federal do Rio Grande – FURG